- Folha de S. Paulo
Para onda conservadora, políticas de promoção cultural e social são instrumentos de cooptação
A onda conservadora que elegeu Bolsonaro se assenta em uma sucessão de equívocos. Como precisa gerar indignação permanente, ela exagera, quando não falsifica fatos, adaptando a realidade ao discurso.
Segundo sua visão de mundo, para votar nos notórios ladrões da esquerda seria preciso que o eleitor ou apoiador estivesse levando algum tipo de vantagem. Lei Rouanet, Bolsa Família e cotas raciais não seriam, assim, políticas de promoção cultural e social, mas instrumentos de cooptação dos artistas, dos pobres e da população negra.
Confrontados com a objetividade do exercício do poder, os conservadores vão ter agora que fazer o percurso inverso, ajustando seu discurso delirante à realidade.
Nada exemplifica melhor esse descompasso do que a Lei Rouanet.
No discurso da direita, que Bolsonaro encampou, a Rouanet é um mecanismo de cooptação da classe artística. Músicos e atores receberiam polpudos recursos do governo e, em troca, emprestariam seu apoio.
É com essa “mamata”, que compra apoio político, que o presidente eleito prometeu acabar.
Nada disso, no entanto, tem o menor respaldo na realidade.
A Lei Rouanet é um mecanismo de financiamento da cultura por meio de renúncia fiscal. Produtores escrevem projetos culturais e os submetem ao Ministério da Cultura, apenas para aprovação dos requisitos formais, sem julgamento do mérito da proposta. Uma vez aprovado o projeto, os produtores saem em busca de empresas dispostas a patrociná-lo, normalmente para promoção da marca. Os recursos investidos são depois abatidos do Imposto de Renda devido.
Como se vê, o poder de alocação de recursos não está com o governo, mas com as empresas. São elas que decidem qual projeto vai ser financiado.
É por esse motivo, aliás, que setores da esquerda têm sido historicamente contrários à Lei Rouanet. Durante a maior parte dos governos Lula e Dilma, o Ministério da Cultura tentou reformar a lei, para pelo menos reduzir o poder arbitrário das empresas de alocarem livremente os recursos, fazendo publicidade com dinheiro público.
Não faz o menor sentido, portanto, ligar apoio político ao recebimento de recursos pela Lei Rouanet. Apesar disso, para a direita, a lei não passa de uma “boquinha” que financia artistas petistas.
Bolsonaro vai ter que lidar agora com a realidade e não com o discurso fácil nas mídias sociais. Se o novo governo vai mesmo acabar com a LeiRouanet, retirando expressivos recursos federais da cultura, vai prejudicar bastante o teatro comercial, a música erudita e os museus, mas isso não terá quase nenhum impacto sobre a maioria dos artistas que fazem oposição a ele.
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