O presidente Jair Bolsonaro deixou o hospital Albert Einstein e a expectativa é a de que comece a governar. Quarenta e quatro dias depois de tomar posse, Bolsonaro ainda não detalhou o que pretende fazer com a vital reforma da Previdência. O período em que esteve internado revelou a torre de Babel em que se transformou o núcleo de poder e suas adjacências. Bolsonaro tem o dever, se quiser fazer um bom governo, de formalizar um idioma único.
O maior espaço vazio deixado pelo presidente é o da reforma da Previdência. Há divergências no governo, como sempre há: a ala política quer uma coisa, supostamente mais palatável à população, a econômica quer outra, mais dura, e todos estão à espera do que decidirá Bolsonaro. Antes de ser novamente operado, em janeiro, ele próprio contribuiu para a cacofonia defendendo ideias (ou esboço delas) diferentes da seu todo-poderoso ministro da Economia, Paulo Guedes, sugerindo uma reforma mais branda até do que a que restou de seu antecessor, Michel Temer. Na mesma tecla tem batido o responsável pela coordenação política, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Pelas divergências e balões de ensaio que vêm a público, não parece ter havido acerto prévio, durante a campanha, sobre o alcance da reforma entre Bolsonaro, Guedes e a equipe que viria a ocupar o Planalto. O fato de outras propostas sobre o mesmo tema terem aparecido, com alterações em pontos fundamentais, como transição e idade mínima, reforça uma indefinição que já deveria ter sido superada a esta altura. A espinha dorsal da reforma ainda é uma incógnita.
O governo Bolsonaro deve ao programa liberal de Paulo Guedes as expectativas positivas sobre a economia que embalam os investidores. É, portanto, um sinal muito ruim desautorizar o ministro em querelas menores, como está acontecendo. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ganhou a disputa sobre o aumento da alíquota de importação do leite em pó, a qual Guedes se opôs. Do hospital, Bolsonaro interveio a favor dela. Tereza quer também evitar que os exportadores rurais contribuam plenamente com a previdência, algo que renderia R$ 7 bilhões aos cofres públicos, e é contra a redução da conta dos subsídios rurais, intenção atribuída ao ministro da Economia. Indicada pela bancada ruralista, Tereza protege os interesses do bloco e, ao que tudo indica, Bolsonaro terá de dirimir conflitos nesta área todo o tempo.
Paulo Guedes está adoçando a proposta de reforma previdenciária, após o vazamento de minuta com o eixo de suas propostas. A reforma, por definição, visa a reduzir o déficit, mas o ministro estuda corte da alíquota de contribuição previdenciária dos trabalhadores de menor renda e aumento dos que ganham mais. Além disso, Guedes tem falado demais, em especial sobre a carteira verde-amarela no bojo da reforma previdenciária, o que causa mais confusão e polêmica em uma discussão já por demais complexa, que não precisa de dificuldades adicionais, mas de foco e clareza.
Enquanto o Planalto pretende dar prioridade máxima à Previdência, o PSL, partido do presidente, vive em outro mundo. Tenta imolar o lider de governo ungido por Bolsonaro, o major Vitor Hugo, que mal assumiu o cargo, e faz um enorme barulho em torno de uma "CPI da toga". Como se fosse pouco, ganha força no partido a ideia de revogar a "PEC da bengala", retrocedendo a idade para aposentadoria dos ministros do Supremo Tribunal Federal a 70 anos, o que tornaria possível para Bolsonaro a nomeação de 4 ministros. Não parece genial a estratégia de hostilizar o Judiciário quando estão a caminho reformas polêmicas, com pontos que desaguarão no STF. Cria-se atrito irresponsável entre poderes da República.
Os três filhos do presidente são outra fonte de confusão e prejudicam a imagem do governo. Eles atravessam os canais de comunicação oficiais e provocam ruídos e dissabores. Flavio Bolsonaro é investigado por transações suspeitas e a sombra de irregularidades eleitorais se espalha sobre o PSL. Carlos Bolsonaro responsabiliza publicamente por isso Gustavo Bebbiano, ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Com Bolsonaro no hospital, o governo perdeu-se na falta de hierarquia, de métodos e de coerência. Com o presidente de volta ao comando é preciso que Bolsonaro afine um coro desordenado, incongruente e desastrado. Mais importante, é preciso que diga exatamente o que quer da mais importante reforma de seu governo, sobre a qual falou pouco na campanha e menos ainda depois.
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