CPI dos tribunais e outras propostas de setores bolsonaristas soam como revanchismo descabido
Na vida real, a relação entre os Poderes republicanos nem sempre se dá com a harmonia preconizada pela Constituição. A política, afinal, se faz primeiro afirmando as diferenças para depois tentar apará-las pela negociação.
Suscita preocupações, entretanto, o ensaio de queda de braço entre a cúpula do Judiciário e setores mais inflamados do governismo no Congresso. As origens da animosidade vêm de antes da eleição, quando o Supremo Tribunal Federal se colocou como anteparo a alguns dos ímpetos mais tresloucados de bolsonaristas.
A corte reagiu com vigor ao devaneio golpista de Eduardo Bolsonaro, segundo o qual bastariam um cabo e um soldado para fechá-la. Ministros também deram indicações de que barrariam projetos mais flagrantemente inconstitucionais, como o Escola sem Partido.
Nos dias finais da campanha, o STF chegou a impedir policiais de entrar em universidades para, fazendo mau uso da legislação eleitoral, reprimir o que seriam manifestações antibolsonaristas.
Mais recentemente, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, determinou que a votação para a presidência do Senado fosse secreta, o que desagradou à ala governista, defensora do sufrágio aberto.
Uma espécie de revanche se fez perceber. Em poucos dias de mandato, parlamentares tentaram articular a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar corrupção no Judiciário, batizada, com açodamento revelador, de Lava Toga.
Também se movimentaram para reverter a emenda constitucional que elevou a aposentadoria compulsória de servidores públicos de 70 para 75 anos —o que, ao menos na intenção, abriria quatro vagas no STF para Bolsonaro preencher— e falaram em usar o impeachment contra magistrados.
Na melhor e mais provável hipótese, essas ideias —típicas de um bolsonarismo histriônico— visam mais a marcar posição e demonstrar força do que a partir de fato para um conflito institucional.
Alguns senadores foram rápidos para retirar suas assinaturas do pedido de CPI. Toffoli e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, almoçaram juntos. Fala-se menos em rever a PEC da Bengala, e impeachments não parecem estar no horizonte realista de eventos.
A aparente acomodação é positiva. Um confronto entre dois Poderes legítimos e necessários em nada contribuiria para o país. Isso não significa, porém, que o entendimento deva dar lugar ao adesismo ou à inércia dos dois lados.
Precisa-se, sim, de um Supremo independente, capaz de fazer frente aos excessos de um governo de inclinações populistas e voluntaristas. Não resta dúvida, por outro lado, de que há muito a aprimorar, inclusive por meio do Legislativo, num Judiciário repleto de privilégios e pouco afeito à transparência.
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