- Valor Econômico
Oposição desconfia de intenções de Bolsonaro
Na pior semana do governo Jair Bolsonaro, a oposição jogou parada. O bombardeio entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia travou de tal modo a reforma da Previdência que permitiu aos próceres oposicionistas divagarem sobre como agir para garantir a governabilidade no país, dada a fase de surto pela qual passa o bolsonarismo.
O clima pesado desanuviou ontem, após a sequência de reuniões entre Sergio Moro, Rodrigo Maia e Paulo Guedes, que culminou na escolha do relator da reforma na CCJ, o mineiro Marcelo Freitas (PSL).
Pode ser que a sucessão de disparates da véspera tenha sido a tal "chuva de verão", a que Bolsonaro se referiu na cerimônia no Clube do Exército. Na realidade, o que ocorreu está mais para um temporal. Como chuvas de verão não são fenômenos climáticos isolados, é preciso esperar um tempo para que fique nítido se haverá mais turbulência ou não.
Com um Paulo Guedes que estava mais para Brumadinho do que para Itaipu, o que sobressaiu nos últimos dias foi uma agenda de ataque do presidente e seu entorno às instituições. Não foi algo pontual da quarta-feira, uma vez que desde o início do mês já havia uma ofensiva contra a cúpula do Judiciário, que se tornou mais intensa depois da decisão do STF a respeito da criminalização do caixa dois.
Os oposicionistas acreditam, a sério, que o jogo duro de Bolsonaro levará a uma ruptura entre a elite tradicional da política e os novos comandantes. Embora registrem que o vice-presidente Hamilton Mourão busca suavizar a imagem, não é com ele que a esquerda pretende dialogar. Mourão está em outra conexão, procurando e sendo procurado por empresários que anteveem um futuro sombrio para o atual presidente.
Os oposicionistas desconfiam do compromisso de Bolsonaro com a democracia e sonham em estabelecer pontes com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que seriam os esteios contra o golpe, com Dias Toffoli e Gilmar Mendes na retaguarda.
A barafunda governista ajuda os oposicionistas a desviarem os olhos da sua maior chaga, que é a paralisia política do PT desde a prisão do caudilho da sigla. O maior partido da oposição não tem proposta, não tem estratégia, não tem ação coerente no Congresso, discurso, nada, absolutamente nada que não seja o "Lula Livre".
Como a tempestade perfeita, esta semana, armou-se na margem direita do rio e desabou na quarta-feira, a oposição se animou a começar a arar o terreno na margem esquerda para algum tipo de semeadura. "A hora agora é de zerar o jogo", comentou o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB).
Na visão de Dino, Bolsonaro está mal intencionado e o ministro da Economia, Paulo Guedes, como articulador político, é um propagador de tensão. Ele contou o péssimo clima na reunião de terça-feira entre Guedes, que está designado como o negociador da reforma do lado do governo, e os governadores.
É bom lembrar que durante a campanha eleitoral e nos meses seguintes, o presidente e o próprio Guedes em algumas ocasiões realçaram a importância que os governadores teriam para impulsionar a reforma junto às bancadas estaduais, uma vez que estão pressionados pela situação fiscal.
E a grande maioria dos observadores políticos consideravam no início de fevereiro, um tempo que já parece distante, que o clima para a reforma da Previdência jamais fora tão favorável, exatamente pelo esgarçamento das contas públicas. O viés a favor da reforma continua existindo, como demonstra o "Termômetro da Previdência", monitoramento desenvolvido pela consultoria Atlas Político e publicada no site do Valor. Na tarde de ontem eram 170 deputados inclinados a votar pela aprovação da reforma, 200 que não se posicionavam e 143 contra. O mérito, contudo, não parece ser do ministro da Economia, sem traquejo para a negociação com este tipo de interlocutor.
Na conversa com os governadores, Guedes partiu para a estratégia da prensa. Cobrou engajamento e não acenou com ajuda imediata. "Os governadores apoiadores de Bolsonaro acharam que ele iria jogar mole, acenar com ganhos imediatos, como acontece em qualquer negociação, mas não foi assim", disse o maranhense, que foi o oitavo a abandonar o encontro no meio. A agenda federativa travou. A PEC da desvinculação mencionada por Guedes apenas irritou os governadores, já que não os beneficia diretamente. O projeto de lei complementar da previdência militar provocou enorme apreensão, já que obrigará aos Estados fazer concessões para policiais e bombeiros.
Dino relatou que um dos colegas, filiado ao MDB, comentou durante a reunião: "É a primeira vez que um governo é o gerador de crises, e não o mediador natural".
Para o maranhense, é chegada a hora de se armar um grande arco, que engloba desde radicais de esquerda como Guilherme Boulos até Maia e Alcolumbre, em nome da normalidade constitucional. Alcolumbre, por sinal, é descrito por Dino como uma boa surpresa. O presidente do Senado chegou ao cargo impulsionado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas em dois meses no posto não tem sido uma correio de transmissão do Planalto. "Precisamos dialogar com a turma da Nova República", afirmou, em uma alusão ao MDB, ex-PMDB e ao DEM, ex-PFL, que em 1985 construíram a aliança que venceu o Colégio Eleitoral.
Em relação ao petismo, há um esforço para curar as feridas de campanha. "É hora de repor as relações interpessoais com o PT. Eles estão fazendo muita falta".
O governador maranhense ressalvou que não vê como provável um cenário de escalada autoritária, mas lembrou que é um mau profeta. "Eu acreditava na vitória de Alckmin na eleição de 2018. Achei que isto se daria, depois que ele conseguiu reunir em torno de si todo o grupo político hegemônico", afirmou. Como se dissesse que, se antes considerava Bolsonaro incapaz de alcançar o poder, agora o vê capaz de qualquer coisa.
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