- Valor Econômico
Capitalização desperta dúvidas e pode ser revista
Caberá ao ministro da Economia, Paulo Guedes, dar "carinho" para os parlamentares irritados com a falta de interlocução com o governo de Jair Bolsonaro. Isso significa receber deputados e senadores, ouvir as suas demandas, falar das possibilidades do país após a aprovação da reforma da Previdência e tirar "selfies". O ministro poderá até avaliar a possibilidade de o governo liberar recursos das emendas parlamentares, que é um legítimo desejo dos congressistas. Mas não deverá atender às eventuais reivindicações por indicações políticas para a ocupação de cargos relevantes na administração federal.
Se isso será suficiente para fazer a proposta de reforma da Previdência tramitar no Congresso, é uma questão a se ver.
Ontem, porém, a conversa de Guedes com lideranças políticas em almoço na residência do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), acalmou os ânimos.
O ministro está ocupando um espaço vazio nas articulações políticas. O trabalho do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, "não tem sido suficiente", disse um experiente funcionário do governo. "O Onyx, como um gaúcho da fronteira, não tem perfil conciliador", completou. Carlos Alberto Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, também deverá reforçar o trabalho da articulação.
Guedes começou a aparar as profundas arestas deixadas pelas declarações e mensagens do presidente em rede social. Bolsonaro trocou palavras ásperas com Rodrigo Maia nos últimos dias, abrindo uma crise desnecessária que atrapalhou a tramitação da proposta de reforma da Previdência. Passados 38 dias do envio da proposta de emenda constitucional (PEC) da nova Previdência ao Congresso, só ontem, depois das conversas entre Guedes e Maia, foi possível indicar o relator da medida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O escolhido foi o deputado por Minas Gerais Marcelo Freitas, delegado da Polícia Federal e do PSL, partido de Bolsonaro. Pensou-se em nomes alternativos de outros partidos, mas estes haviam vetado indicações com seus selos.
Portador de um discurso sólido e persuasivo sobre a importância da reforma, Paulo Guedes tem uma boa relação com o presidente da Câmara. Foi Maia, inclusive, que passou para o ministro a elevada temperatura oposicionista que ele encontraria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) se comparecesse à reunião marcada para terça-feira. Os próprios deputados do PSL estavam se armando para emparedar o ministro.
As relações entre o Executivo e o Legislativo se transformaram, nos últimos dias, em um verdadeiro cabo de guerra, tensionadas pelas farpas trocadas entre o presidente da República e o presidente da Câmara. Analistas políticos do governo atribuem a origem de parte relevante do processo de desgaste às divergências partidárias de ambos - Bolsonaro e Maia - nas disputas eleitorais do Rio.
Não é só na relação entre os Poderes, no entanto, que a postura de Bolsonaro, de governar pelas redes sociais, está gerando temores e insatisfações. Na reunião ministerial de segunda feira, segundo um participante, Guedes deixou claro que não há condições de ele, a cada postagem do presidente e/ou do seu filho Carlos Bolsonaro, no Twitter ou no Instagram, levar uma "bola nas costas". Se pela manhã nada acontecer, as atenções se voltam para o tuíte da tarde, "que, certamente, virá com uma bomba", comentou um graduado assessor da área econômica.
Não se sabe ao certo se Bolsonaro tem a exata dimensão da importância da aprovação da nova Previdência não só para a sustentação do seu governo mas, sobretudo, para a estabilidade do país e, portanto, sabe que precisa apoiá-la sem tergiversação. Além disso, cabe ao presidente da República contribuir para um ambiente político mais sereno que viabilize a tramitação da reforma no Congresso, que por si só já é uma tarefa hercúlea para qualquer país que teve de enfrentar a escalada explosiva dos gastos com aposentadorias e pensões.
Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto pela força do voto, mas está perdendo com preocupante rapidez o capital político que acumulou com os cerca de 58 milhões de votos.
O caso da Previdência brasileira é gravíssimo pela mudança demográfica e pelas injustas diferenças entre as aposentadorias da grande maioria dos brasileiros e as dos servidores públicos civis e militares. O "rombo" estimado para este ano é de mais de R$ 300 bilhões, sendo R$ 218 bilhões do Regime Geral (RGPS) e o restante das previdências dos funcionários civis e militares.
O projeto elaborado pela área econômica do governo trará, se aprovado, uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Guedes tem insistido nessa cifra como necessária para dar partida ao regime de capitalização que substituiria o atual modelo de Previdência Social.
Fontes graduadas, contudo, já consideram a hipótese de rediscutir o modelo de capitalização, que tem gerado mais dúvidas do que respostas. Mesmo assim, defendem a manutenção da economia de R$ 1 trilhão como importante para dar ao país a garantia de que o Estado, hoje em situação pré-falimentar, não vai quebrar.
Ao falar com uma sinceridade inusual, na quarta-feira, no Senado sobre a possibilidade de deixar o governo, o ministro da Economia deixou seus velhos amigos e conhecidos com uma pulga atrás da orelha. Diferentemente do que possa parecer, quem conhece Paulo Guedes diz que ele é um "galo de briga" e que não tem "queixo de vidro". Ou seja, não é um boxeador que cai no primeiro soco. Ao contrário, segundo fontes que lhe são próximas, ele tem um sentido de missão e está disposto a cumpri-la.
As dificuldades enfrentadas até agora não têm nada a ver com supostas divergências ideológicas. O que está em jogo é poder, cargos e liberação de recursos das emendas parlamentares, que são aspirações normais do Congresso. A rachadura entre Bolsonaro e Maia expressa esse cenário.
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