- O Globo
Pelo estilo, temperamento, e pela natureza do seu cargo, Guedes não pode ser o articulador político da reforma da Previdência
O ministro Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de fato se entendem. Eles tiveram bom diálogo desde o primeiro momento. O almoço de ontem foi a chance de deter a escalada da insensatez estimulada pelo presidente Jair Bolsonaro. A pavimentação da ponte Guedes-Maia é ótima notícia. Mas a ideia de que o Guedes possa ser o articulador da reforma da Previdência no Congresso é outro equívoco. Ele terá que estar sempre presente, mas não pode desempenhar esse papel. Quem comanda a Economia tem a chave do cofre. Na sua área está o Tesouro Nacional. Se é ele que vai articular as forças políticas do parlamento, evidentemente os pedidos ficarão mais caros. Não falo de pedido indevido, mas das normais reivindicações financeiras e fiscais para estados e regiões. Na linha de frente tem que estar um ministro político.
O recado de Paulo Guedes não podia ser mais claro do que foi na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado sobre as razões e condições para permanecer no cargo. Acha que pode servir ao país, não se assustará com a primeira derrota, mas não ficará agarrado ao cargo se a reforma não for aprovada. O ministro tem sempre frases fortes e eloquentes. Algumas esclarecem, outras espetam. Sua fala é direta, saltando todos os formalismos, o que pode facilitar o entendimento, mas às vezes o faz tropeçar em asperezas desnecessárias.
Por temperamento, estilo, e pela natureza do cargo ele não pode ser o encarregado de coordenar as articulações políticas para a aprovação da reforma. Para isso existem os ministros políticos. E, como já disse aqui, o presidente tem um papel incontornável no trabalho de união da base. Bolsonaro, além de fugir desse papel, faz o avesso do que deveria como demonstrou insistentemente nos últimos dias.
O ministro acenou na CAE com muito dinheiro às unidades depauperadas da federação. Isso precisa ser mais bem definido, do contrário só aumentará o sonho de solução indolor das aflições fiscais dos estados. Sobre os pedidos de compensação da Lei Kandir, ele disse o seguinte:
— Evidentemente não quero ressuscitar a Lei Kandir. Vamos fazer algo melhor. Você esperava ganhar R$ 1,9 bilhão? R$ 3 bilhões? Nós queremos te dar R$ 4,5 bilhões, daí pra cima. Em 2020 começa com ou sem pré-sal. Vamos dar acima de R$ 4 bilhões. Vai ser muito mais que isso, vamos pegar o pré-sal que vai de R$ 500 bilhões a R$ 1 trilhão, é dinheiro pra sempre, para mudar a República Federativa do Brasil.
Cifras que parecem panaceia. E que ele oferece como se independessem de ajustes nas contas dos estados e municípios. Nas cinco horas em que Paulo Guedes esteve na CAE, ele teve alguns maus momentos. A briga com a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) foi o exemplo mais claro. Respondendo ao senador Rogério Carvalho (PT-SE), Guedes disse que ele se aposentaria ganhando 20 vezes mais que um trabalhador. Kátia Abreu disse que ele ganharia apenas até o teto.
— Por favor, posso falar? — disse Guedes.
— Pode, e eu também posso. O senador está sujeito ao teto de R$ 5.500 — rebateu Kátia.
— Por favor, a senhora terá o seu horário.
Ela disse que ele não era o mandante da Comissão, e ele respondeu que teria que haver alguma disciplina e repetiu duas vezes a frase: “vamos falar todos ao mesmo tempo?” O presidente da CAE, senador Omar Aziz (PSD-AM), o repreendeu. E disse que ele tinha mandado a senadora calar a boca.
São de desentendimentos assim, bobos, que se criam grandes arestas. Em outro momento, o senador José Serra (PSDB-SP) discordou da descentralização de recursos, sugeriu a criação de um conselho fiscal e fez um discurso conciliatório:
— Não jogo no quanto pior, melhor. Quero que o governo acerte pelo bem do país. Posso até ter motivos políticos para apreciar o desgaste, mas como homem público, quero que as medidas corretas sejam adotadas — disse o tucano.
Era uma ótima oportunidade para Guedes agradecer a atitude e ressaltar o objetivo comum. Ele preferiu lembrar dos erros do governo do PSDB, a quem culpou pela situação fiscal dos estados, com mais uma das suas críticas ao Plano Real:
— Os programas de estabilização duram um ano, um ano e meio. E a inflação cede. O nosso programa são 10 anos, 15 anos de juros altos e o resultado é essa devastação nas finanças de quem está endividado.
Se tivesse jogo político aproveitaria os pontos de contato, em vez de ressaltar antigas e inúteis divergências.
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