- Valor Econômico
Renda salarial média no Brasil é de um quinto da OCDE
O Brasil recebeu sinal verde para entrar no clube dos ricos no momento em que se prepara para tornar metade dos brasileiros que trabalham mais pobres. Não se trata do Benefício de Prestação Continuada, cuja mudança tem sido rechaçada em prosa e verso por condenar miseráveis à inanição. A redução no BPC, proposta na reforma da Previdência, atingirá menos da metade dos 4,8 milhões de beneficiários, visto que 56% deles são portadores de deficiência e, por pressão do ministro Osmar Terra (Cidadania), acabaram excluídos do corte. Já o fim do abono salarial abrange 23 milhões de trabalhadores, o que equivale à metade da força de trabalho formal. Só uma parcela de menos de 10% dos trabalhadores, que ganham um salário-mínimo, continuará a fazer jus ao benefício.
No primeiro aperto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou o ônus do BPC sobre o secretário Rogério Marinho. Quanto ao abono, reina o silêncio, até da oposição. O cálculo de seu impacto fiscal é uma das muitas omissões do governo sobre as contas que embasaram a proposta. O trilhão que Guedes quer economizar está para a Previdência como o milhão que Bettina Rudolph ganhou, em três anos, gerenciando R$ 1,5 mil. Ninguém sabe de onde vêm as contas.
O Instituto Fiscal Independente, do Senado, começou a fazê-las. Destrinchou o impacto do abono e aquele do BPC, colocados, pela equipe de Guedes, numa única rubrica de R$ 182,2 bilhões em dez anos. Nos cálculos do IFI, a mudança no BPC renderia R$ 28,7 bi e o abono, R$ 150 bi. Ou seja, para cada idoso de benefício reduzido, haverá três trabalhadores de renda mensal de R$ 2 mil que ficarão sem seu décimo-quarto salário.
Para a turma que já faz as contas do bônus do final do ano, o décimo-quarto é a concessão dos mais pobres pelo bem do Brasil. Que a Previdência precisa de uma idade mínima e da equiparação dos regimes público e privado, não parece haver dúvida. A conta que não parece fechar é como o Brasil pretende alavancar a economia com uma reforma que vai tirar R$ 150 bilhões do mercado de consumo. Não é um brasileiro em busca do segredo de Bettina a ser afetado, mas sim aquele que vai ter que tirar muito mais que o iogurte de sua cesta básica. Como mostrou o Ibope, a popularidade do presidente cai na mesma velocidade em que se esvazia o carrinho de supermercado.
A tecnocracia parece iludida de que basta diminuir a proteção social e as amarras da regulamentação do trabalho que o mercado se encarregará de prover empregos e renda. A reforma trabalhista já caminha para completar dois anos sem ter feito cócegas num e noutro.
Nessa toada, a OCDE, clube dos ricos com o qual o Brasil passou a sonhar, vai ganhar um integrante diferenciado. A renda salarial média dos 35 países que integram o bloco é de US$ 40 mil anuais. A do Brasil, segundo o ValorData, é de US$ 8 mil (a partir do IBGE/2017). O brasileiro ganha metade dos ricos mais pobres, os mexicanos, aqueles que se compadeciam por estarem tão perto dos Estados Unidos e tão longe de Deus.
Ao Brasil cabe uma terceira graça, como resumiu Guedes em seu discurso na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Saudado, por Bolsonaro, como o responsável pelos 100 mil pontos do Ibovespa, ele retribuiu dizendo que os investidores poderiam confiar na "bravura" do presidente da República e na índole do brasileiro: "É um povo pacato". Só sendo para merecer tão bravos dirigentes.
Militares
A reforma dos militares chega ao Congresso num momento em que a proposta da Previdência, pelo termômetro do Valor, tem 93 votos a favor, 215 a menos do que precisa para aprová-la. O governo não queria enviar a proposta dos militares para evitar que esta servisse de barganha na Previdência. Encurralado, cedeu terreno mas contra-atacou. Mandou a dos militares e, paralelamente, impôs, por decreto, ficha limpa para a ocupação de cargos.
Inicialmente previu que o decreto valeria a partir de 15 de maio, prazo com o qual ganharia tempo para aprovar a reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça. Pela ambição da proposta, de desconstitucionalizar a seguridade social, é lá que se travará a primeira grande batalha da reforma. Governistas e oposição têm, cada um, um terço dos votos na CCJ. Os pedidos de cargos seriam jogados para a segunda quinzena de maio, depois da votação do texto na comissão. Uma tentativa de inverter o jogo para o dá-cá-toma-lá.
Muita gritaria depois, o governo decidiu retroagir a validade do decreto para 1º de janeiro. Para partidos como o PP, que já foram donos de ricas sesmarias como Saúde, Anvisa, CEF e Denatran, e agora têm que se contentar com entrepostos como a superintendência do Iphan no Piauí, e, ainda mais, ficha limpa, a coisa parecia ter ido longe demais. Tratou-se, então de exigir que o governo submetesse todas as indicações já feitas, ao crivo idealizado pela austeridade do ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo).
O recuo na data atinge as indicações intermediadas por todos os políticos já nomeados, do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ambos do DEM, e ameaça revirar uma coordenação política que já está de cabeça para baixo. Visto com simpatia pelos parlamentares já recebidos em seu gabinete, Santos Cruz não parece dar sinais de que pretende ceder frente aos poderes de que foi investido na negociação. Com a reforma dos militares nas mãos, o Congresso ganhou um arsenal do tamanho daquele do vizinho do presidente da República para entrar na guerra.
Venezuela
O melhor da visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos não foi o que aconteceu, mas o que se evitou. O pior que poderia ter ocorrido seria uma sinalização de apoio brasileiro a uma ação armada na Venezuela. Donald Trump chegou a dizer que, sobre o tema, falava em nome do Brasil, mas no preto e branco, a declaração negociada palavra a palavra e assinada pelos dois presidentes, é que os dois países apoiarão esforços por uma saída pacífica para restaurar a ordem constitucional na Venezuela.
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