- Folha de S. Paulo
Quando o comunismo quer só fazer negócios
Donald Trump e Jair Bolsonaro trocaram na terça-feira (19) as previsíveis juras de amor eterno. Previsíveis porque os dois vieram da mesma chocadeira, o populismo de direita, ainda por cima tosco.
Até aí, tudo bem. Resta ver se todo esse amor resistirá a um terceiro elemento no romance, chamado China.
Há, como se sabe, uma guerra comercial entre China e EUA. Mas não é ela o elemento crucial no triângulo Brasil/EUA/China. O Brasil pode se safar perfeitamente de qualquer chamado a ser mais a favor de um lado do que do outro, aliás os dois grandes parceiros comerciais do país.
O ministro Paulo Guedes já deu o mote, ao dizer, em Washington, que, se os Estados Unidos podem ter intenso comércio com a China, o Brasil também pode. Puro bom senso. Acho que até o destrambelhado do Trump aceita essa lógica.
O problema é que a guerra comercial é apenas uma batalha em meio a um combate muito mais amplo. A China está tentando disputar com os EUA a liderança mundial no futuro não tão distante. E o campo de batalha é a chamada economia do conhecimento.
O Brasil, goste ou não, queira ou não, foi chamado ao combate na véspera do encontro Trump/Bolsonaro. Um alto funcionário americano fez um “briefing” (jargão para sessão informativa em que o nome do “briefador” não é mencionado) em que expôs todas as amabilidades que os dois presidentes depois repetiriam publicamente.
A única sombra foi uma certa Huawei, a empresa chinesa líder no 5G, a nova fronteira da tecnologia da informação. O funcionário disse que os americanos transmitiram aos brasileiros, nas negociações prévias à cúpula, todos os perigos que enxergam na companhia.
Os americanos acham que a Huawei usará seu sistema 5G como cavalo de Tróia para piratear informações sensíveis de todos os países que a utilizarem.
O Brasil comprará essa versão? Há aliados americanos importantes (Reino Unido, Alemanha, Índia e Emirados Árabes) que sinalizam que não apoiarão Washington em sua cruzada para banir a Huawei.
Vê-se, só por esse detalhe de um combate mais amplo, como são complexas hoje as relações internacionais. Não dá mais para achar que o amigo do meu amigo é meu amigo também ou que o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Outro exemplo: a Itália tem como ministro mais forte um certo Matteo Salvini, da Liga (parente muito próximo do populismo de direita de Bolsonaro e Trump). Aliás, elogiado pelos Bolsonaros.
Pois bem: o governo italiano de Salvini está para assinar memorando de entendimento com a China para aderir à iniciativa “Belt and Road”.
O Council on Foreign Affairs define o programa chinês como o mais ambicioso esforço de infraestruturra na história. Prevê investimentos de US$ 1 trilhão e é a maneira de a China abraçar boa parte do mundo.
No ano passado, um vice-ministro chinês propôs a todos os países latino-americanos que também se
integrassem à iniciativa.
Se vale a pena ou não, é tema que merece uma análise cuidadosa e profunda. Mas, desde já, é imperioso afastar a ideologia do caminho. A China, ao contrário da União Soviética, não quer vender o comunismo ao mundo nem destruir o Ocidente. Quer fazer negócios.
É esse o novo nome do jogo.
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