- O Estado de S.Paulo
Equipe econômica está levando um baile no Congresso por conta da desorganização do governo na articulação política
A crise política entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso formou uma ferida aberta que hoje representa uma ameaça real ao processo de saneamento das contas públicas.
A desorganização do governo na articulação política é tamanha que a equipe econômica está levando um baile no Parlamento em propostas que podem atrapalhar a política do ministro da Economia, Paulo Guedes, de colocar as contas públicas no azul o mais rápido possível.
A rapidez na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo foi um primeiro sinal dessa fragilidade. Outros movimentos sucessivos nos últimos dias mostraram que os parlamentares estão dispostos a seguir à risca o script oferecido de bandeja pelo próprio presidente da República ao passar a bola do protagonismo da agenda econômica ao Congresso.
Focada na tramitação da proposta de reforma da Previdência, a área econômica também não parece estar afinada com o Palácio do Planalto para minimizar as perdas em outras batalhas mais silenciosas que começam a ganhar força no Congresso.
Pelo contrário, Bolsonaro sinalizou que pode atender à bancada ruralista e dar um perdão de R$ 17 bilhões da dívida dos produtores com o Funrural, espécie de contribuição previdenciária do setor. Uma decisão que contraria as diretrizes da agenda liberal do seu ministro da Economia.
Se seguir com esse plano, além de prejuízos para a marca que pretende emplacar no seu governo do fim do toma lá dá cá, o presidente também pode correr o risco de ser punido por crime de responsabilidade fiscal. Uma advertência que foi alardeada pelo hoje desafeto de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Uma batalha que já parece perdida é a volta dos subsídios à energia elétrica para produtores rurais. A equipe econômica bem que entrou em alerta para barrar o projeto na Comissão de Minas e Energia da Câmara, mas de nada adiantou.
O projeto derruba um decreto publicado pelo governo Michel Temer no fim do ano passado, reduzindo de forma gradual os subsídios nas contas de luz para a área rural e para companhias de água, esgoto e saneamento. Para piorar, um requerimento de urgência já está na pauta do plenário da Câmara dos Deputados de segunda-feira.
A prorrogação dos benefícios fiscais para construtoras do Minha Casa Minha Vida, incentivo que acabou no fim do ano passado, também está sendo ressuscitada pelo Legislativo.
Uma das maiores ameaças no cangote (para repetir uma palavra que tanto foi usada pelos ministros de Bolsonaro no início do governo) do ministro Guedes é o risco de aprovação de decreto legislativo para derrubar o bloqueio de quase R$ 3 bilhões em emendas parlamentares.
Aprovado esse decreto, como tudo indica que acontecerá, um dos principais instrumentos de calibragem da política fiscal começa a se desfazer. Nesse caso, a articulação do decreto também conta com o apoio de parlamentares aliados e da ala política mais próxima ao presidente.
Desamarrar esse nó das emendas será complicado. Não há dúvidas entre os técnicos do governo de que o problema vai pular no colo do governo bem na hora da votação do relatório da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Para não ficar atrás da Câmara, o Senado também tem agido e aprovou outra PEC que dá mais liberdade para o pagamento das emendas, direcionando os recursos diretamente a Estados e prefeituras, sem necessidade de convênio com União. Estados e municípios poderão usar o dinheiro como bem entenderem, até mesmo para o pagamento de salários.
O ponto mais sensível dessas mudanças orçamentárias é que tudo está sendo feito sem uma estratégia organizada e muito menos discussão técnica. No caso da PEC do Orçamento Impositivo, que já foi aprovada em dois turnos nas duas Casas e voltou para a Câmara após ser alterada no Senado, havia uma negociação de que a proposta seria discutida com os técnicos do governo por 30 dias até que a começasse de fato a tramitação na CCJ.
Mas a tal ferida exposta e os novos atritos mobilizaram os parlamentares a atropelar o governo. Nem mesmo a reforma da Previdência escapou do rebaixamento da lista de prioridades na CCJ. Não se sabe onde esse ativismo vai parar e muito menos quem será responsável se a situação fiscal piorar.
Afinal, quem está falando os “nãos”? Brasil terá déficits primários por pelo menos 10 anos se esse quadro permanecer, e o esgotamento do ajuste fiscal já dá as caras.
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