sábado, 13 de abril de 2019

Vítimas de uma cidade sem ordem: Editorial / O Globo

Omissão do poder público está por trás de desabamento de prédios ilegais na Muzema, região controlada por milícias

As causas do desabamento de dois prédios de cinco andares, construídos ilegalmente na comunidade da Muzema, no Itanhangá, Zona Oeste do Rio, ainda estão sendo investigadas, mas já se pode descartar que o desmoronamento tenha sido fatalidade. Ao contrário. São muitos os fatores que conspiraram para a tragédia, que deixou pelo menos cinco mortos e 13 desaparecidos. E todos convergem para a ausência do poder público — prefeitura, estado e União —, que faz vista grossa para o crescimento, na região, de um Estado paralelo, governado por milicianos.

Agora, com as famílias chorando os mortos e bombeiros buscando pessoas em meio aos escombros, a sociedade se pergunta, perplexa, como prédios totalmente ilegais puderam ser construídos ao longo de meses, e ocupados como se fossem legais. Já existem algumas pistas. E elas não absolvem ninguém. Depois do colapso, ocorrido quatro dias após o temporal que matou dez pessoas no Rio, a prefeitura apressou-se em dizer que a Defesa Civil Municipal interditara os prédios em fevereiro deste ano. Medida que não surtiu qualquer efeito.

Outros quatro prédios no mesmo condomínio também foram interditados no fim do ano passado, mas uma liminar da Justiça impediu que o município os demolisse. Um dos argumentos é que a própria prefeitura dera alvará para funcionamento de uma loja de material de construção no andar térreo de um dos edifícios.

Tenta-se agora explicar o inexplicável. O fato é que os dois prédios foram construídos sem autorização, à margem de qualquer rigor técnico, em área de preservação ambiental, num lugar que todo mundo sabe que é controlado por uma das principais milícias do Rio, alvo inclusive de uma operação do MP e da polícia em janeiro deste ano. E os que ruíram não são os únicos. Segundo o site G1, existem cerca de 60 edifícios sendo erguidos na região, muitos deles ilegalmente. Construção e venda de imóveis se tornaram um dos principais negócios da milícia, além das taxas cobradas por segurança, sinal de TV e internet etc.

O que aconteceu na Muzema não é muito diferente do que ocorreu no Vidigal, onde, após um deslizamento de terra no temporal de segunda-feira, casas ficaram penduradas à beira do abismo. É a mesma ausência de ordem, de Estado, de tudo.

Prefeitura, estado e União são igualmente responsáveis por essa anomia, à medida que ela é fruto do desrespeito a normas urbanas e ambientais, da falta de políticas habitacionais e da expansão de organizações mafiosas, como é o caso das milícias. Problemas que só serão resolvidos de forma conjunta, por todos os níveis de governo.

Quando receberam as chaves de seus apartamentos das mãos de milicianos, aqueles moradores pensaram estar realizando o sonho da casa própria. Na verdade, elas abriam as portas para um cadafalso. Eles podiam não saber. Mas o poder público sabia. E nada fez.

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