- O Globo
A cada ano, as milícias ficam mais poderosas no Estado do Rio, disputando com o tráfico de drogas o comando de territórios
Acidade está abandonada, dominada pela bandidagem. O estado vive uma calamidade permanente, há anos. Não é possível que dois prédios de cinco andares sejam erguidos sem que o poder público fiscalize. Não apenas na Muzema, mas em várias localidades da cidade, anos após anos reportagens mostram o crescimento vertical de comunidades como a Rocinha. Somos um espelho do que acontece no Brasil todo, onde os milicianos já estão presentes disputando espaço com os traficantes e outros criminosos.
Formadas por militares da ativa e da reserva, têm ligações com as polícias locais e trabalham as informações internas que recebem para se manterem longe do alcance da lei. Não se deve falar de omissão, mas de cumplicidade dos diversos órgãos governamentais, pois só assim pode ser explicado o fracasso de seguidos governos estaduais em controlar as milícias e suas ações.
Os governos falharam redondamente no combate ao crime organizado, e a recente tragédia do fuzilamento de um músico por militares é consequência disso. As UPPs, que eram parte de um projeto que deu certo durante algum tempo, foram desperdiçadas pela politicagem do governador Sérgio Cabral, que, para eleger Pezão seu sucessor, espalhou UPPs indiscriminadamente pela cidade, perdendo a capacidade técnica de eficiência.
A cada ano, as milícias ficam mais poderosas no Estado do Rio, disputando com o tráfico de drogas o comando de territórios. Milicianos tomam conta de espaços urbanos para construir prédios ilegais, e vendem serviços como distribuição de gás, gatonet, gambiarras de distribuição de luz e água, sem que os órgãos públicos tentem barrar suas ações.
Empreendimentos imobiliários são o mais lucrativo empreendimento das milícias atualmente, uma atividade que vem crescendo de cinco anos para cá. São prédios sem habite-se, sem escrituras; o poder público não fiscaliza as construções claramente clandestinas, sem segurança para os que os compram.
Esta é uma prática institucionalizada no Rio, como era com os bicheiros. A ciclovia na Avenida Niemeyer, que já desabou quatro vezes, é exemplar desse estado de incúria que domina a cidade. E agora temos um prefeito completamente inoperante, que acha corriqueiro o que aconteceu na cidade devido às fortes chuvas do início da semana.
Estamos com uma cidade e o estado sem perspectiva, que foram saqueados durante anos por um bando de ladrões. Se pegarmos os vários governadores e prefeitos eleitos recentemente, veremos que ou estão na cadeia ou já estiveram por lá, ou estão envolvidos em crimes de caixa 2 que geram desleixo, incúria, superfaturamento, obras sem o menor controle de qualidade. Raros são os que escaparam ilesos.
Tudo indica que a relação do crime organizado com a política foi exacerbada no Rio nos últimos tempos, chegando a um ponto de maior gravidade com o envolvimento da família Bolsonaro com milicianos. Flávio, o 01, deu medalhas a dois policiais depois presos por serem milicianos e, para ajudar um deles, deu emprego à mãe e à filha no seu gabinete, a pedido de seu assessor Fabrício Queiroz.
Já fizera, por sinal, vários discursos a favor de milicianos, que definiu como organizações que atuam com base em técnicas militares e “ajudam a combater” o crime, como se não fossem criminosos. O presidente Jair Bolsonaro também já fizera discurso na Câmara dos Deputados defendendo o papel das milícias.
A família de Queiroz tem vans ilegais em Rio das Pedras, comunidade controlada pelas milícias onde se escondeu no período mais agudo da crise em que se envolveu. O crime organizado domina comunidades pobres, subjugando cerca de 1,7 milhão de pessoas e, em decorrência natural da dominação de territórios, controla votos em regiões do estado e ganha condições de fazer indicações para cargos, inclusive os responsáveis por delegacias policiais ou comandantes de batalhões da Polícia Militar, prática retomada pelo atual governador, Wilson Witzel.
O caso da investigação do assassinato da vereadora Marielle é exemplar. Quando o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, combinou com Raquel Dodge que a Polícia Federal entraria no caso, houve reação. Hoje, a Polícia Federal, que faz uma investigação paralela, tem indicações fortes de que a corrupção de policiais atrapalhou as investigações, que cada vez mais incriminam milicianos na sua execução e planejamento.
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