Tudo vai mal quando acaba mal e o destino do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia pareceu desde o início uma comédia de erros, de funestas consequências. Quase três anos após a votação que decidiu pela saída do país, em 23 de junho de 2016, os políticos britânicos continuam totalmente incapazes de chegar a uma conclusão sobre o que pretendem para o futuro das relações com a UE. A saída deveria ocorrer em 29 de março, foi protelada e a data final agora é 12 de abril. A Comissão Europeia se reúne em 10 de abril e espera uma definição. Como o acerto feito pela primeira ministra Theresa May foi rejeitado três vezes, a pior opção pode se consumar - a saída sem acordo.
"Uma esfinge é um livro aberto se comparado ao Parlamento britânico", resumiu Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Ele foi fiel aos fatos. Já houve três rejeições ao "Brexit duro" de May - a separação total do Reino Unido, mas com um tratado que assegura que ela seja feita de forma ordenada e com um período de transição até dezembro de 2020, prorrogável até o último dia de dezembro de 2022. Com o impasse, o Parlamento decidiu votar alternativas ao plano de May. Por duas vezes, debateram e votaram oito opções - e todas foram rejeitadas.
O Brexit culminou por rachar trabalhistas e conservadores e aniquilar o precário gabinete de minoria de May, que se apoiava na escora do pequeno Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte, que se voltou contra o governo. Coube aos conservadores, sob chefia do primeiro ministro David Cameron, abrir a caixa de Pandora do Brexit. Para afirmar sua liderança em disputa paroquial no próprio partido, Cameron convocou o referendo e, para surpresa de todos, a saída da UE foi escolhida por 52% dos votantes. A campanha foi palco para populistas de todos os tipos. Extrema esquerda e extrema direita se uniram contra o centro, que cedeu. As vantagens da retirada britânica foram magnificadas, sem que ficasse claro que tipo de retirada os eleitores queriam e o que colocariam no lugar.
Sob impulso de trabalhistas de Jeremy Corbyn e dos conservadores, cidadãos empobrecidos que culpavam a globalização e a imigração, residentes das cidades menores e do interior, votaram em peso pela ruptura. Para impedir o fluxo de imigrantes, ou no linguajar dos conservadores, retomar o controle sobre o fluxo de pessoas e de mercadorias, que para eles também desprotegia a indústria doméstica, resolveu-se com a união continental. May quer o divórcio total, isto é, relacionar-se com o bloco como um país qualquer. Os custos desta opção são elevados.
Se sair sem acordo e sem transição, o Reino Unido receberá de imediato uma tarifa de 10% sobre carros e outros produtos que compõem a maior parte de suas exportação ao continente. Todas as normas de controle de qualidade, fitossanitárias, patentes terão de ser rediscutidas e as instituições financeiras perdem o direito automático de atuar em todos os países da UE. Beira o caos colocar de pé de uma hora para outra controles alfandegários sobre bens, serviços e pessoas de uma hora para outra, mas é isto que pode acontecer. Na melhor das hipóteses, o Brexit desordenado reduzirá o PIB inglês em 8% até 2023, com maior desemprego e inflação em alta. O Goldman Sachs estimou que desde junho de 2016 há perda de 600 milhões de libras por semana, redução acumulada de 2,4% do PIB.
Ainda não se sabe o que vai acontecer. Após longa reunião de gabinete ontem, May disse que buscará negociar com os trabalhistas uma saída mais suave, sem mudar o acordo já realizado com a UE, que estabelece regras para o período de transição. Os trabalhistas defenderam em peso durante a votação no Parlamento a alternativa de uma união aduaneira com a UE ou um segundo referendo sobre o Brexit. Ao jogar o problema no colo de Corbyn, May não garantiu o apoio dos trabalhistas, mas enfureceu a maioria dos conservadores, que apoiam seu plano. "Sempre fui clara sobre o fato de que poderíamos ter sucesso no longo prazo sem acordo, mas sair com um acordo é a melhor solução", disse May.
O Reino Unido terá de pedir uma extensão do prazo, que a CE concederá, desde que por um bom motivo. Salvo novo referendo, todas as opções restantes restauram o controle da imigração pelo governo britânico, e pouco mais que isso. Uma política comercial autônoma será irrelevante diante das regras da UE, que compra 47% de suas exportações. Uma união aduaneira deixará as coisas quase como estão, sem que o Reino Unido possa, como hoje, interferir nas decisões. Os prejuízos superam em muito os benefícios da saída, mas parece cada vez mais difícil ao Reino Unido recuar.
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