Sem obter apoio significativo no Congresso, e sem procurá-lo com método e determinação, o governo de Jair Bolsonaro acabou estimulando que os parlamentares determinem, a seu bel prazer, o que é melhor para si, e não necessariamente todos. Os Estados, boa parte deles arruinados por péssima administração, aumento de gastos com funcionalismo, queda de receitas e corrupção, ou doses variadas de tudo isso, estão sendo chamados a suprir a carência de base governista no Congresso com promessas de mais recursos, sem que as contrapartidas fiquem claras. Restrições fiscais, de repente, parecem ter sido deixadas de lado. O governo decidiu propor na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 um reajuste apenas para os militares - que em janeiro tiveram concluídas uma recomposição de soldos, repartida ao longo de quatro anos, de 25,4%.
Na queda de braço com o Executivo, os partidos primeiro reduziram um pouco mais a margem de manobra orçamentária da União, ao tornar impositivo o cumprimento das emendas parlamentares e aumentar sua proporção em relação à receita corrente líquida. O governo tenta reduzir o estrago - haveria aumento de despesas este ano - criar uma "escadinha" para o aumento do percentual da receita destinado a emendas. A reação do Congresso não impediu o governo de contingenciar o orçamento e, com ele, parte das emendas, que os partidos querem mais uma vez liberar.
Nesta semana foi a vez de o Senado aprovar uma PEC em tempo recorde - duas votações no mesmo dia, como já havia feito a Câmara antes sobre a imposição - para permitir que as emendas possam ir diretamente para Estados e municípios, como doações - outras, vinculadas a saúde e educação, terão de usar, como hoje, o instrumento dos convênios. Cerca de R$ 4,5 bilhões poderão ir sem intermediários para governadores e prefeitos, livres de qualquer amarras, podendo ser consumidos no pagamento de folha de salários ou no que quer que seja. Estranhamente, o Ministério da Economia não viu nada de errado nessa ação, que se encaixaria no novo mantra de Paulo Guedes, a descentralização de recursos para Estados e municípios.
Os governadores não perdem por esperar porque Guedes, após prometer há algum tempo destinar R$ 17 bilhões dos recursos da cessão onerosa para Estados e municípios, parece ainda mais entusiasmado e acenou com a possibilidade de 70% dos recursos do petróleo do pré-sal irem para os entes federados - pelos seus cálculos, R$ 1 trilhão em 20 anos. Não se fala em contrapartidas, mas o passado é eloquente: os recursos que jorraram do pré-sal serviram mais para engordar a folha de salários dos Estados e municípios produtores, alimentaram gastos correntes e, quando o preço do petróleo caiu, ambos quebraram.
Um dia, em um passado não tão longínquo, ficou estabelecido que o dinheiro do pré-sal seria direcionado para o futuro: educação e saúde. No fim de 2018, o Senado quis podar 50% do Fundo Social para uma "Brasduto" e 30% para Estados e municípios. A gambiarra para a construção dos gasodutos não passou, mas Guedes quer dobrar a fatia para governadores e prefeitos. O então ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, não viu nada demais na transferência aos entes federados, desde que ficassem claras as necessárias condicionantes. Agora não se fala nisso, e não é difícil imaginar que recursos que seriam investidos na melhoria da péssima educação do país e seu lamentável sistema de saúde serão consumidos em gastos correntes.
Como se não existisse um déficit público de R$ 130 bilhões, o presidente Jair Bolsonaro insiste em anistiar os produtores rurais que não pagaram o Funrural, uma conta que não sai por menos de R$ 17 bilhões. Bolsonaro está mudando a relação de forças entre as corporações que obtêm com seu poder de pressão vantagens para si na disputa orçamentária. Paulo Guedes abriu fogo contra o lobby dos servidores públicos, com argumentos convincentes e justos, enquanto que o presidente reforça as reivindicações da corporação militar. A reforma da previdência dos militares, recheada de gratificações, integralidades e paridades, destoa de toda a pregação racional e igualitárias das regras da reforma das aposentadorias. O ministro da Economia não fala na reforma dos militares e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que no começo criticou a integralidade, agora diz que a proposta será aprovada "do jeito que veio".
A economia anda devagar, a arrecadação não reage com vigor e o voluntarismo do governo dá a impressão de que as contas não vão fechar.
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