Início do governo Bolsonaro consegue vitórias, e o acúmulo de derrotas está no campo político
É uma tradição nos países democráticos, não apenas no Brasil, medir o pulso da popularidade do presidente recém-empossado, sabendo-se que ela tende a se esvair em alguma proporção, à medida que a realidade se impõe no gabinete presidencial, e exige medidas que nunca agradam a todos. Governar é também gerenciar dissabores em nome do bem coletivo.
Em recente pesquisa Datafolha, a erosão do tempo, nestes primeiros cem dias de poder, deixa marcas em Bolsonaro mais profundas do que em antecessores neste mesmo período — 30% de desaprovação.
Mas não se podem desconhecer aspectos positivos da ainda curta administração, muitos deles decorrentes da acertada decisão de construir dois núcleos administrativos fortes para enfrentar os mais graves problemas do país: o Ministério da Economia, de Paulo Guedes, para enfim o Brasil fazer a necessária reforma da Previdência, mas não só; a pasta da Justiça e Segurança Pública, entregue ao ex-juiz Sergio Moro, também com missões estratégicas, em que se destacam o enfrentamento da criminalidade, cada vez mais forte e organizada, e o lançamento de fundações legais, com o Congresso, para o também imprescindível combate à corrupção. Ele está em curso, mas é necessário evitar retrocessos. Nestes dois polos há avanços — o debate sobre a Previdência já evolui na Câmara; e com o pacote anticrime acontecerá o mesmo, também no Senado.
Na solenidade organizada ontem para marcar os cem primeiros dias do governo, com a presença de Bolsonaro, lançou-se uma coleção de 18 decretos e projetos, em que há alguns destaques. Por exemplo, o decreto do “Revogaço”, de desburocratização, e o projeto de lei complementar que afinal formaliza a autonomia do Banco Central. É medida-chave para, como nas principais economias do mundo, dar perspectiva de segurança aos agentes econômicos, que deixam de correr o risco de ações voluntariosas do governo de turno sobre a política monetária.
Já o passivo destes cem dias está no campo político. Assim como Lula não foi eleito para executar o projeto da extrema-esquerda, também Bolsonaro não chegou ao Planalto para atender cruzadistas, templários, nacionalistas ultrapassados, fiscais de costume etc. Que fique claro.
Ele não deve se esquecer de que se beneficiou bastante do amplo antipetismo, que praticou voto útil e o elegeu. A sua agenda sectária desagrada a grande parte da população, é bem recebida apenas por nichos. Com sinal invertido, o mesmo acontecia com Lula e Dilma. Mas eles se beneficiavam do crescimento da economia (Dilma, em parte do primeiro mandato). O crescimento, Bolsonaro ainda precisa buscá-lo, mas só se ajudar a cimentar uma aliança no Congresso que aprove a reforma da Previdência. Para isso, precisa engavetar de vez bordões de campanha, como o de que ele representa a “nova política”, e o Congresso, a “velha”. Nada mais dessintonizado da realidade, considerando-se que Bolsonaro militou 28 anos no baixo clero. Pode não ter feito parte do toma lá dá cá do fisiologismo, o que é positivo, mas isso, por si só, não o designa um “novo político”. Se não ajudar a montar as alianças —o que, admita-se, se esforça para fazer —, seu futuro é incerto. O resultado negativo da pesquisa Datafolha é cabal.
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