O cartel do frete, uma aberração apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, será defendido com fiscalização vigorosa, segundo prometeu o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em reunião com representantes de caminhoneiros. O cartel chapa-branca poderá até funcionar com mais eficiência a partir dos próximos dias, se o preço do transporte for de fato corrigido com base no valor do diesel. Essa correção foi prometida pelo ministro, segundo um dos participantes do encontro. “Não houve um acordo, mas sim um compromisso de uma agenda positiva”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno. Positiva para quem?
Essa agenda só pode ser negativa, como tem sido, para a indústria, para a agropecuária, para a maior parte dos serviços e para os consumidores. Será ruim para a balança comercial e, muito especialmente, para o ordenamento jurídico de uma economia de mercado. A tabela oficial de fretes, criada inicialmente por medida provisória (MP) e sacramentada pouco depois por lei, é a base de um escandaloso cartel chapa-branca. A MP foi editada pelo presidente Michel Temer em junho do ano passado, numa rendição a um movimento apoiado pelo deputado Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República.
Nesse movimento, caminhoneiros ocuparam rodovias como quiseram, bloqueando pistas ou ocupando quilômetros de acostamento. Impediram, usando até intimidação e violência, a passagem de quem pretendia passar transportando carga. Não faltaram irregularidades e atos criminosos. Só faltou disposição ao governo para impor a lei e defender os interesses nacionais. Prejuízos para a produção, o comércio, o consumo e o emprego foram enormes, como já deixaram claro as estatísticas oficiais.
Depois da reunião com o ministro da Infraestrutura, na segunda-feira passada, líderes dos caminhoneiros disseram ter desistido de uma nova greve neste ano. Ganharam mais um ponto. Poucos dias antes, o presidente Bolsonaro, para defendê-los, havia ordenado a suspensão de um reajuste do preço do diesel. A desastrada intervenção chocou o mercado e derrubou o valor de mercado da Petrobrás, com perda imediata de R$ 32,4 bilhões.
Ações contra a legalidade da tabela de fretes foram apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) logo depois de editada a MP, no ano passado, e reiteradas depois de sua conversão em lei pelo Congresso Nacional. A posição da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sintetiza de forma luminosa a argumentação. A lei, recordam os formuladores da ação, só admite a intervenção estatal na ordem econômica para reprimir abuso praticado para dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros. A lei da tabela faz o contrário, instituindo um cartel e anulando a possibilidade da competição. Viola, enfim, os princípios da ordem econômica estabelecidos na Constituição, especialmente os da livre-iniciativa e da livre concorrência, indicados no artigo 170.
Os argumentos da CNI deveriam ser suficientes, mas a tabela foi contestada também por outras entidades, como a Confederação Nacional da Agricultura. O assunto, no entanto, ficou emperrado. O relator, ministro Luiz Fux, tomou algumas providências – por exemplo, suspendendo e restabelecendo as multas por descumprimento da tabela. Mas a discussão nunca chegou ao plenário, a lei continua em vigor e o atual governo tem-se mostrado disposto a servir aos caminhoneiros mesmo contra os interesses mais amplos do País.
Os agricultores plantaram e colheram a safra de verão sujeitos ao cartel do frete e assim continuam. Como os industriais, competem interna e externamente e, se tentarem formar um cartel, serão sujeitos a processo. Se qualquer deles operar num segmento com excesso de oferta, perderá dinheiro e, na pior hipótese, falirá. Excesso de oferta tem sido um problema evidente do transporte rodoviário, mas os transportadores, ao contrário de agricultores, industriais e comerciantes, ganharam de presente um cartel chapa-branca. Enquanto isso, o STF silencia.
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