- Valor Econômico
O processo decisório já tem a marca do presidente
Rigorosamente pontual, às 8 horas o presidente Jair Bolsonaro chega ao Palácio do Planalto e é recebido, na garagem, por uma comitiva de três ou quatro autoridades que com ele vão subir o elevador privativo em direção ao gabinete. Começa então a primeira reunião do dia da cúpula do governo. Nesse encontro, o processo decisório adotado por Bolsonaro, um tanto informal, meio compartilhado, às vezes errático, se inicia e já tem, antes de completar quatro meses de mandato, a marca do presidente.
Em volta da mesa estão, diariamente, nesse horário, o general Augusto Heleno (questões de inteligência e conjuntura), o general Carlos Alberto Santos Cruz (espécie de chefe de Estado-Maior do governo para tratar de problemas de dentro e de fora da Presidência), o general Rêgo Barros (Comunicação, porta-voz do presidente), o chefe do cerimonial, Carlos França, o chefe de gabinete Pedro Cesar, o chefe da assessoria especial Célio Faria Junior.
Integram esse grupo nuclear o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo, às vezes o general Floriano Peixoto Vieira Neto (que completa o pelotão do Haiti ao redor de Bolsonaro), e também às vezes o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
O presidente fala primeiro, expõe seus temas do dia; definem uma agenda e cada ministro se manifesta sobre as questões da sua área que precisam ser decididas. Há posições tomadas na hora e outras que ficam para depois. O encontro das 8h dura em média 40 minutos.
Instrumento para um tipo de decisão, a reunião da manhã no Planalto não tem a presença de ministros das áreas específicas. Os assuntos de cada setor não são discutidos nessa reunião estratégica, o presidente trata diretamente com o ministro da pasta, ao longo do dia, pedindo dados e enviando seu veredito por WhatsApp na imensa maioria das vezes. Um ou outro ministro entra na agenda para uma conversa pessoal.
Nesse tipo de linha das decisões de Bolsonaro se enquadram, por exemplo, alguns propósitos do presidente verbalizados pelo ministro Paulo Guedes, da Economia. Foi o ministro quem revelou recentemente uma decisão em tema tabu, a de que Bolsonaro já admitia a privatização da Petrobras, em estudos.
Uma terceira via de tomada de decisão é apressar a solução, de forma direta e rápida, de forma a estancar o problema mesmo que momentaneamente, e só depois informar-se com os técnicos e especialistas. Como o presidente Jair Bolsonaro não tem qualquer problema com o recuo, a volta atrás, a reformulação de suas posições e o dito pelo não dito, esse método tende a permanecer durante todo o governo.
Foi o caso do reajuste de preço aplicado pela Petrobras e suspenso pelo presidente da estatal depois de um telefonema de Bolsonaro.
Avisado em Macapá, cidade que não visitara durante a campanha eleitoral e foi uma das primeiras que colocou na sua lista de viagens no país, Bolsonaro foi informado da inquietação dos caminhoneiros. Vacilou se deveria ou não dar declarações, mas foi convencido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que o acompanhava. Quis ganhar três a quatro dias até informar-se sobre o que se tratava e encaminhar sua decisão final. Foi o caso clássico de agir primeiro e informar-se depois, ouvindo técnicos e autoridades.
Não foi a primeira vez nem certamente será a última em que o processo decisório do presidente atropela a ele mesmo.
Bolsonaro não é impulsivo, quando decidiu indicar a suspensão do reajuste foi mesmo porque queria ganhar tempo para uma decisão. Entre a ebulição do mercado com a intervenção na Petrobras e a possibilidade de greve com desabastecimento o presidente preferiu a primeira opção e a executou imediatamente.
O presidente age com simplicidade, como fala. Decisões rápidas, frases curtas. É assim também quando posta algo polêmico nas redes sociais, também assim é quando adverte algum de seus ministros. O método, com certeza, provoca ruídos muitas vezes, mas se há algo que não incomoda Bolsonaro é a revisão de suas posições. Mesmo na mídia social o presidente prefere publicar primeiro e depois, com a lona do circo desabando, modificar, recuar, consertar.
Com o tempo, talvez, a repetição do procedimento poderá dar aos interlocutores uma ideia sobre a forma de pensar de Jair Bolsonaro. Está havendo também o que os amigos chamam de "acionamento de alguns freios de arrumação", necessários, principalmente, quando se tratam das iniciativas e declarações políticas da família e de Olavo de Carvalho.
As estruturas do poder nas quais se instala o presidente da República também só agora estão sendo construídas. O processo decisório do presidente é, na definição de assessores, o da "atitude compartilhada".
Nas reuniões do início do dia o presidente pergunta muito e também fala, principalmente quando a agenda trata de questões mais imediatas do governo ou da política. É quando sua experiência de 28 anos no parlamento se mostra aos interlocutores.
O presidente ainda está tateando, encontrou um governo desidratado pelas questões da Justiça. Por mais que tenha entrado com a força de sua votação, o precisa mudar radicalmente seu comportamento anterior, caracterizado pelo descomprometimento.
Há um nó no processo decisório do presidente Bolsonaro que diz respeito às reformas, em especial à da Previdência. Afirma-se que ele nunca a desejou e, por isso, envolve-se pouco nas negociações políticas para sua aprovação. No Planalto essa constatação é repudiada: o presidente estaria, sim, envolvido na articulação da aprovação reforma, em encontros pessoais com parlamentares e presidentes de partido, por decisão pessoal e política. Ele quer aprovar, neste primeiro mandato, a reforma da Previdência, a tributária, o pacto federativo e o pacote de segurança.
Parte dessa incompreensão dos sinais em relação às reformas decorre de outro problema, a superposição entre a Casa Civil e a Secretaria de Governo, a primeira cuidando das relações políticas, a segunda das relações intergovernamentais. Um defeito de origem que atrapalha especialmente as questões políticas que dependem do Congresso.
A correção de rumos, forçada pelos fluxos de arrumação, resulta da aplicação de um método que os militares chamam, no processo de tomada de decisão, de "cheirar o vento". É o que faz a aeronave antes de corrigir sua posição para lançar os paraquedistas. O governo está cheirando o vento.
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