quarta-feira, 24 de abril de 2019

Intrigas palacianas: Editorial / Folha de S. Paulo

Novo conflito consome energia que deveria se destinar à agenda nacional

Em mais uma crise interna tão ruidosa quanto plenamente evitável, o governo Jair Bolsonaro (PSL) desperdiça tempo e energia num confronto, forjado por sua ala ideológica, que coloca em campos antagônicos os seguidores das teses do escritor Olavo de Carvalho e o grupo de generais que integra a cúpula da administração federal.

O estopim do conflito foi um vídeo postado no sábado (20), numa página de internet do presidente. As imagens mostram Olavo nos Estados Unidos, onde vive, a disparar um rifle e a comentar de maneira irônica e agressiva o papel dos oficiais no atual governo e durante o regime autoritário de 1964.

Com seu característico vocabulário chulo, o escritor diz que a ditadura, que durou até 1985, serviu para destruir os políticos de direita, deixando livre o caminho para a esquerda. “Eles dizem: ‘Livramos o país dos comunistas’. Não, eles entregaram o país ao comunismo”, afirma o ideólogo, em meio a outras elucubrações do gênero.

Adversário declarado do vice-presidente Hamilton Mourão e discípulo do olavismo, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL), autorizado a editar as intervenções do pai nas redes sociais, chamou atenção no domingo para o vídeo —que pouco depois, entretanto, seria retirado do ar.

A publicação, não resta dúvida, causou mal-estar entre militares, tanto reservistas que ocupam cargos no governo quanto os da ativa.

Advertido a respeito das consequências danosas do ataque, Bolsonaro divulgou nota na qual considerava que as declarações de Olavo de Carvalho contra integrantes dos poderes da República não contribuíam “para a unicidade de esforços e consequente atingimento dos objetivos propostos em nosso projeto de governo”.

A crítica foi acompanhada de um reconhecimento elogioso ao pensador, que teria desempenhado “papel considerável na exposição das ideias conservadoras que se contrapuseram à mensagem anacrônica cultuada pela esquerda e que tanto mal fez ao nosso país”.

A tentativa de pacificação não sanou o desconforto. Noticiou-se nesta terça (23) que militares ficaram insatisfeitos com a recusa do presidente em repreender o filho, notório incentivador das hostilidades. Num sinal de que os desentendimentos não cessaram, após a nota presidencial, Carlos Bolsonaro voltou a investir contra Mourão.

O general sob ataque, por sua vez, não segue o figurino de discrição habitual dos vice-presidentes. Com frequência, contrapõe-se aos arroubos do chefe do Executivo e deixa-se atrair pelos holofotes.

Rusgas palacianas são encontradiças em qualquer governo. A diferença, na atual gestão, é que elas se transformam em desavenças e conflitos públicos em série, em prejuízo da agenda de interesse do país.

Seria saudável se o presidente Jair Bolsonaro entendesse de uma vez por todas que a campanha eleitoral terminou —e que é preciso deixar sua bolha ideológica para ser o governante de todos.

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