O ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, defendeu que o projeto de autonomia da autoridade monetária inclua entre os seus objetivos também preocupações com flutuações de curto prazo da atividade econômica. O assunto é quase um tabu num país que há 25 anos, antes do lançamento do Plano Real, encontrava-se na antessala da hiperinflação. Mas a discussão é necessária para alinhar nossa legislação à teoria internacional de política monetária, aplicada com sucesso em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Ao lançar a proposta, durante seminário do Banco Central que marcou os 20 anos da adoção do regime de metas de inflação no Brasil, Arminio usou uma linguagem técnica para se referir ao objetivo, para evitar mal entendidos. A ideia é que o BC tenha como mandato fundamental a estabilidade de preços, mas com uma "qualificação", a de "suavizar os ciclos econômicos".
Ele frisou que suavizar o ciclo é bem diferente de buscar uma expansão insustentável da economia, mantendo a atividade superaquecida por tempo indefinido. O sacrifício em termos de perda de atividade econômica deve ser dosado sobretudo em situações de choques de oferta, como na alta de preços de energia ou nas desvalorizações cambiais. O BC já adota como prática acomodar o impacto direto desses choques, usando para tanto o intervalo de tolerância do regime de metas e garantindo o retorno da inflação ao centro da meta ao longo do tempo.
Pelo projeto de lei de independência do Banco Central, enviado pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, o Banco Central teria como "objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços". Sem prejuízo a esse objetivo fundamental, diz a proposta, o BC também teria por objetivo "zelar pela estabilidade financeira".
Arminio disse, no seminário, que a Lei nº 4.595, o principal marco legal das políticas monetária, cambial e creditícia, já tem "uma definição bastante interessante" de objetivos a serem buscados pela política monetária, a cargo do BC. O projeto de independência do BC revoga um artigo da Lei nº 4.595 que concedia ao Conselho Monetário Nacional (CMN) um mandato mais amplo para buscar a estabilidade monetária e combater flutuações econômicas. Segundo esse dispositivo, a política do CMN objetivará "regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais".
Nos 20 anos do regime de metas de inflação, é possível encontrar exemplos de períodos em que o BC seguiu esse princípio. Um deles foi depois da crise nos mercados provocado pela eleição do ex-presidente Lula. A opção, na época, foi adotar metas ajustadas para acomodar esse gigantesco choque de oferta, cujo combate direto exigiria uma recessão severa.
Já mais recentemente, durante o governo Dilma Rousseff, o BC usou indevidamente a flexibilidade do sistema, acomodando no intervalo de tolerância do regime de metas uma inflação relacionada com o superaquecimento da economia. O resultado foi uma aceleração inflacionária que custou muito a ser combatida, exigindo elevar os juros básicos a 14,25% ao ano.
No mesmo seminário, o ex-presidente do BC, Ilan Goldfajn, concordou que, realmente, os bancos centrais atuam para suavizar o risco. Mas disse que é preciso deixar bastante claro que não se pode esperar que o BC entregue mais do que é possível em termos de crescimento econômico. A velocidade de crescimento no longo prazo é determinada sobretudo pela produtividade, que, por sua vez, depende de decisões tomadas pelo governo e pela sociedade em geral.
Outro ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, defendeu que a lei de independência da autoridade monetária institucionalize o regime de metas de inflação. O projeto não faz nenhuma menção ao regime monetário adotado. Hoje, a base legal para o regime de metas de inflação é um decreto presidencial. "Alguns países tem o sistema de metas previsto em lei", disse. Meirelles acredita que o país teria a ganhar, inclusive, se a meta de inflação de longo prazo ficasse prevista em lei, deixando de ser determinada pelo Congresso. É um ponto que merece ser debatido com profundidade. De um lado, há o risco de engessar o sistema, mas de outro ficaria mais difícil flexibilizar a meta para gerar surtos artificiais de crescimento.
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