- Valor Econômico
Incerteza política e quadro externo pior atrapalham retomada
A continuidade das incertezas no cenário político e a piora recente no ambiente internacional atrapalham a recuperação capenga da economia brasileira. O desempenho ruim nos três primeiros meses do ano não foi seguido por uma retomada mais forte da atividade a partir de abril, e a perspectiva de um crescimento em 2019 na casa de 1% - ou até menos - ganha força. Para piorar, as expectativas para 2020 têm sido rebaixadas. Hoje, vários analistas esperam um avanço de 2% no ano que vem. Há alguns meses, eram mais comuns projeções entre 2,5% e 3%.
O risco é que se cristalize a percepção de que o Brasil é um país de baixíssimo crescimento, com impacto negativo sobre as decisões do setor privado, que já tem investido muito pouco num quadro de indefinição política, grande ociosidade e demanda anêmica. Depois de melhorar no período seguinte às eleições presidenciais de 2018, a confiança dos empresários voltou a recuar nos últimos meses, um sinal ruim para o investimento.
O economista-chefe do Morgan Stanley para a América Latina, Arthur Carvalho, diz que a "retroalimentação entre política e crescimento está viva", e cada um desses fatores influencia negativamente o outro no momento. "A incerteza política afeta o crescimento, dada a incerteza fiscal resultante e a falta de visibilidade sobre as perspectivas de médio prazo do país", escreve ele.
Já o panorama de expansão mais baixa pressiona o governo a tomar algumas iniciativas para destravar a economia, além de corroer parte da popularidade da nova administração e de seu capital político, observa Carvalho. Para ele, isso significa que habilidade política e flexibilidade "são provavelmente mais necessárias do que nunca".
Até o momento, o governo de Jair Bolsonaro exibe justamente o contrário. Os problemas de articulação política apontam para uma demora maior no andamento da reforma da Previdência no Congresso, com a aprovação de uma versão que talvez economize consideravelmente menos recursos em dez anos do que o R$ 1,25 trilhão esperado com a proposta original. Para Carvalho, a falta de uma coalizão forte, com uma liderança clara do Executivo, coloca em risco a qualidade da mudança do sistema de aposentadorias.
Carvalho menciona outro ponto importante. Se o governo não construir uma coalizão, isso tende a causar problemas para o restante da agenda econômica, caso de medidas como a reforma tributária e as privatizações, essenciais num país de baixa produtividade. "Essas reformas adicionais são fundamentais para impulsionar o crescimento de longo prazo e estimular investimentos hoje."
Outro fator de incerteza é como as manifestações de ontem, promovidas por grupos a favor de Bolsonaro, vão afetar a relação entre o governo e o Congresso.
Para complicar, o cenário externo se turvou nas últimas semanas, com a volta das tensões comerciais entre EUA e China. O presidente Donald Trump decidiu elevar as tarifas de importação sobre bens chineses e Pequim retaliou, aumentando as alíquotas sobre compras de produtos americanos. A disputa entre EUA e China afeta o crescimento global e eleva a aversão ao risco, prejudicando países emergentes, como o Brasil.
Nas contas de Carvalho, a eventual persistência das tensões comerciais pode tirar de 0,2 a 0,5 ponto percentual da expansão de 1,4% esperada por ele para a economia brasileira em 2019, tanto pelo canal do comércio quanto pela piora das condições financeiras globais. O ruído político interno e o seu impacto sobre a confiança podem impactar ainda mais o crescimento se a incerteza atual permanecer, diz ele. Uma expansão abaixo de 1% neste ano, como se vê, parece bastante factível. Seria um número ainda pior que o 1,1% de 2017 e de 2018, uma recuperação pífia depois de a economia ter encolhido 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016.
Passados quase cinco meses do ano, a atividade não dá sinais de reação mais forte. No primeiro trimestre, o PIB recuou 0,2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, segundo a média das projeções dos analistas consultados pelo Valor Data. O resultado sai na quinta-feira, devendo colocar ainda em maior destaque a fraqueza da economia.
O desempenho no segundo trimestre tampouco tem sido animador. A confiança de empresários da indústria, da construção e do comércio e dos consumidores piorou em maio. Segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, com os dados divulgados até o momento e os da pesquisa empresarial do banco, com 3 mil companhias, o resultado indicado para o segundo trimestre é de uma alta de 0,2% sobre o anterior.
Esse número é o que aparece no chamado "nowcast", a estimativa feita a partir das informações e dados mais recentes disponíveis. A projeção do Bradesco para o segundo trimestre, compatível com um crescimento de 1,1% em 2019, é de alta de 0,4%, levando em conta os modelos do banco e o que se espera para o fim de maio e para junho.
A popularidade de Bolsonaro tem sofrido abalos. Pesquisa da XP /Ipespe realizada na terceira semana de maio mostrou que 36% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo, acima dos 31% do levantamento anterior, realizado no começo do mês. Pela primeira vez, a avaliação negativa superou a positiva - os que veem a administração do presidente como ótima ou boa são 34%, número quase idêntico aos 35% da enquete anterior.
A situação econômica atual não é responsabilidade do atual governo, no poder há menos de cinco meses, e essa é a percepção da maioria dos ouvidos pela XP/Ipespe. Apenas 10% apontam a gestão de Bolsonaro como a culpada pela crise atual, embora seja o dobro dos 5% do levantamento anterior. No entanto, quanto mais a economia demorar a reagir, mais a letargia econômica será colocada na conta do presidente, minando a sua popularidade e dificultando a aprovação de reformas complexas como a da Previdência.
Um dos aspectos mais graves da crise é o aumento do pessimismo dos empresários. A partir de conversas com clientes, o economista Celso Toledo, diretor da LCA Consultores, diz que grandes empresas trabalham hoje com um crescimento muito baixo para este ano, vendo com cautela as perspectivas para 2020, por causa da incerteza política e do ambiente externo mais adverso. "As empresas acham cada vez mais que 2019 está perdido. Mas o pior não é nem isso. É o fato de estarem baixando as perspectivas para os próximos anos", diz Toledo. Para o investimento, é uma péssima notícia.
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