Por Cristian Klein | Valor Econômico
"O Bolsonaro nem teve tempo de aprender direito. Acha que o grito dele resolve. Não resolve. Nesses cinco meses comprou mais brigas do que precisava"
RIO - Ao longo de sua trajetória, o cientista político Francisco Weffort, 82 anos, reuniu várias características que o aproximam de uma antítese do ideário bolsonarista. Intelectual, foi fundador do PT e ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por oito anos, quando a Lei Rouanet - tão atacada hoje - ganhou força. No primeiro casamento, foi genro de Paulo Freire, educador de influência internacional cuja pedagogia é alvejada pelo presidente e seus simpatizantes.
Mas Weffort também é especialista em um fenômeno caro ao estilo Bolsonaro de fazer política. Autor de "O populismo na política brasileira", de 1978, o ex-professor titular da USP afirma que o ex-presidente Jânio Quadros é a figura a quem mais se parece o atual ocupante do Palácio do Planalto, porém com menos habilidade. Em sua opinião, Bolsonaro se engana" se acha que um presidente no Brasil consegue criar um grande movimento de massa permanente, expresso em manifestações como as realizadas ontem.
Na tradição brasileira, define o cientista político, Bolsonaro "é uma espécie de Jânio Quadros". Também não tinha partido, se elegeu com prestígio popular enorme e "ficou seis meses no governo". "Jânio não conseguiu. E ele também não vai conseguir", afirma, sobre a possibilidade de Bolsonaro governar pressionando o Congresso por uma massa de apoiadores mobilizados pelas redes sociais. "Getúlio [Vargas], se fosse convocar o povo à praça, a população não iria comparecer na proporção que ele queria. Tanto assim que ele acabou se matando. Não tinha mais quem o defendesse. Ele não tinha esse controle. A massa só apareceu quando ele morreu", diz.
Weffort considera que sempre houve algum nível de confronto entre os presidentes populistas e as instituições, mas que "no caso do Bolsonaro está mais complicado". "Tem cinco meses de governo e já era para ser recebido como presidente aonde quer que fosse, e não é bem isso que acontece", diz. Representantes da direita liberal, por exemplo, se recusaram a aderir às manifestações de ontem. "Estamos na fase de definição do bolsonarismo, porque depende do que ele faça e de como os outros reagem. O Jânio, quando reagiu mal, caiu fora. A impressão é que ele brigou tanto que teve que sair", compara.
O problema, aponta Weffort, é que o "Bolsonaro não é só conservador". "A palavra é ruim, mas ele é um reacionário, está reagindo a algo que foi feito antes dele. Oscila entre um conservadorismo e um reacionarismo. Acreditar que existe uma ideologia de gênero ou marxismo cultural... Não existe isso. O ângulo dele, quando entra num assunto, já não é o de um conservador. Ele entra dando pontapé, chutando o pau da barraca. E não é assim que se faz", afirma o ex-ministro, que diz não considerar Bolsonaro um fascista, "ainda".
Para Weffort, o líder populista, por excelência, "tem que dar uma no cravo e outra na ferradura", como fez Getúlio Vargas e mesmo João Goulart, ambos considerados "roda presa", pela base de militantes e aliados à sua época. Em relação a Jânio Quadros, que renunciou ao mandato alegando pressão das famosas "forças terríveis" ou "ocultas", o ex-ministro vê Bolsonaro como alguém ainda menos capacitado. "O Jânio era muito mais hábil, mais político que o Bolsonaro, e além do mais tinha experiência no Executivo. Foi prefeito e governador de São Paulo, foi importante, não um qualquer. Tanto que elegeu o Carvalho Pinto como o seu sucessor. Ele tinha experiência da administração executiva, mas não em plano nacional" afirma.
Essa experiência nacional, diz Weffort, é fundamental para qualquer presidente porque o Brasil "não é um município", e por mais problemas que tenha, é um país grande, social e politicamente muito heterogêneo. "Vivemos numa sociedade plural há muito tempo. O presidente tem que ter capacidade de se equilibrar e dialogar com as diversas forças, com o Congresso e os demais poderes", afirma, lembrando que Jânio não teve esse êxito. "Provavelmente, ele tinha a esperança de que o povo impedisse a renúncia, apelasse para que ficasse, e não foi assim", diz.
Para Weffort, a vida dos populistas já foi mais fácil nos anos 1930 e 1940, décadas em que eram uma "praga" que se espalhava do plano internacional - Hitler e Mussolini - ao local, como o ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros. Em sua visão, assim como Jânio deve sua ascensão ao antigetulismo, o atual presidente é uma reação ao antipetismo. "O Bolsonaro é o Jânio também nesse sentido. Ele é o Jânio do Lula. O Jânio cresceu contra o Getúlio. Bolsonaro cresceu contra o Lula. A lógica da ação e reação", compara.
Uma das características de Bolsonaro, descreve Weffort, "é ser do contra", embora seja o próprio presidente da República. "Não pode ser inteiramente contra. Ele está dentro do sistema, de um jeito ou de outro. O país não aguenta mais loucura", diz. Bolsonaro também difere muito de Lula, acrescenta, pois o petista, apesar do início de carreira com discurso mais radical, o moderou ao longo do tempo, à medida que perdeu três eleições presidenciais seguidas. "O 'Lulinha paz e amor' é uma fórmula de marketing, mas na verdade é isso: o presidente não está ali para romper, mas para conversar", diz.
Um dos problemas para a formação do estilo político de Bolsonaro, pontua Weffort, é que ele nunca perdeu uma eleição. Elegeu-se vereador no Rio e deputado federal por sete vezes seguidas até vencer a nona disputa, ao Planalto. "O Bolsonaro nem teve tempo de aprender direito. Ele acha que o grito dele resolve. Não resolve", diz. A mistura de onipotência com falta de experiência gera um líder com muitas dificuldades para governar um país complexo como o Brasil. "Ele não tem ainda os truques que você espera da parte do presidente da República. Não se espera que o presidente fale como qualquer um, tanto no povo quanto no Congresso", afirma.
Bolsonaro, no entanto, "nesses cinco meses comprou mais brigas do que precisava". "Nesse sentido, é o Jânio, porque o Jânio também tinha aquela maneira de acabar com briga de galo, fazia os "bilhetinhos" [memorandos com ordens expressas aos subordinados], acabou brigando com o [Carlos] Lacerda, então o grande líder da UDN", compara.
Conceito de difícil definição na ciência política, e fenômeno que ganhou conotação pejorativa sobretudo na América Latina, o populismo para Weffort é marcado "em princípio", numa definição minimalista, por "quem se aproxima do povo". "É o político que quer chegar perto do povo, que quer servir ao seu povo, aos mais pobres. Como esse país tem muito pobre, temos variantes de populismo", explica. Embora ambos de direita, Jânio tinha base social mais operária, e Bolsonaro, de classe média, diz. "O típico líder populista brasileiro é o sujeito que dá uma no cravo e outra na ferradura com uma habilidade extraordinária para que as coisas andem, sem romper. O Jango foi assim", argumenta.
Weffort recorda que João Goulart era criticado por botar "panos quentes em quase tudo", como a reforma agrária: "Já estava no limite da sublevação. Você não pode, na Presidência da República, liderar uma sublevação. Quando ele fala, já é a hora da queda".
O mesmo, ressalta, ocorreu em relação a Getúlio Vargas, criticado pelos aliados por "sempre ir mais devagar do que o bloco". "Até hoje interpretações da Revolução de 1930 dão o papel de liderança a Oswaldo Aranha. Para Getúlio tinha que ser diferente e, na verdade, foi do jeito que ele fez", afirma.
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