- Folha de S. Paulo
Para onde vai o regime de preponderância presidencial?
O presidencialismo latino-americano é original, radicalmente diferente do norte-americano. Jacques Lambert, o autor de “Os Dois Brasis” (1953) e que havia estudado este último no monumental “Histoire Constitutionnelle de L’Union Américaine” (1937, 3 vols.), propôs chamá-lo de regime de preponderância presidencial.
Para Lambert, “na prática a América Latina foi levada a evitar uma verdadeira separação de Poderes, pelo menos no concernente às relações entre o presidente e o Congresso. As constituições confiaram aos presidentes certos poderes, tais como a iniciativa da legislação, que facilitam sua leadership sobre o Congresso”.
Ele citava também o veto parcial, amplo poder de regulamentação etc., concluindo que “os projetos de lei oriundos do Poder Executivo têm muito mais probabilidade de aprovação do que as proposições de membros do Congresso”. (“Amérique Latine: Structures Sociales e Institutions Politiques”, 1963).
“Devido a essa preponderância presidencial e ao extremo enfraquecimento dos checks and balances, os regimes políticos latino-americanos aproximam-se tanto do presidencialismo norte-americano, quanto do governo de gabinete... Por razões inteiramente diferentes do que na Inglaterra —os regimes políticos latino-americanos evoluíram para a confusão dos poderes.”
Há, assim, mais que a fusão de poderes, característica do parlamentarismo: “uma colaboração dirigida pelo Poder Executivo”.
Para Lambert, a preponderância do Executivo é resposta eficiente à “frequência das circunstâncias excepcionais” nos países da região.
Cria-se, assim, um dilema entre duas “necessidades contraditórias que experimenta com muita intensidade: por um lado, a necessidade de atribuir ao chefe do Poder Executivo os meios de governo amplo e livre requeridos pela situação de país em desenvolvimento e, por outro lado, a necessidade de limitar esses poderes”.
Os insights de Lambert sobre a preponderância presidencial são consistentes com os achados de pesquisa dos colegas Fernando Limongi e Argelina Figueiredo.
A questão fundamental, porém, é se o enfraquecimento da Presidência deve-se a mudanças institucionais (EC 32/2001, limitando medidas provisórias; EC 32/2001, EC 86/2015 e PEC 34/2019, criando orçamento impositivo etc.), ao estilo populista de governança presidencial, a uma síndrome de hiperfragmentação ou a “circunstâncias excepcionais” (choques).
Para Lambert, preferimos controlar o presidente impedindo sua reeleição, criando “monocracias temporárias”. Nos EUA, a opção foi delegar poder ao Legislativo. Estaria o presidencialismo brasileiro se americanizando?
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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