• Ainda falando do curtíssimo prazo: há uma sensação de aceleração da crise. O que vem a seguir?
Sociólogos gostam de explicar os diversos aspectos das mudanças sociais, que são importantes, mas não é assim que as coisas acontecem no dia a dia. Por vezes as coisas explodem quando se menos espera, como em maio de 1968 na França.
Você pode ter um fio desencapado em qualquer setor da sociedade —tem sempre fio desencapado. A manifestação de ontem [quarta-feira, 15 de maio] foi porque o governo formulou de maneira equivocada o que iria fazer com a educação. Recuou, mas não adiantou. Aquilo foi a fagulha. Tem momentos em que esses movimentos não param mais, como na França, em que todo sábado tem manifestação dos coletes amarelos contra o Macron.
E hoje você tem uma sociedade que se move por este aparelho aqui [mostra o celular], que conecta pessoas, que salta as estruturas, organizações, partidos, governos, tudo. Isso coloca em questão como as formas de governo, que requerem um pouco de persistência, vão se adaptar a uma sociedade que, como diz o [Zygmunt] Bauman [sociólogo polonês, 1925-2017], é líquida.
As questões políticas precisam ter uma atenção maior. Por que não se aproveita agora para fazer o voto distrital? Não é para fazer parlamentarismo neste momento, porque as pessoas não vão acreditar. Voto distrital para dar uma maior proximidade entre o eleitor e o eleito.
Não sei se resolve, mas alguma coisa tem de ser tentada. Mas está tudo esquecido, está tudo concentrado: “ou faz a reforma da Previdência ou o país acaba”. O Brasil não acaba, mas vai mal e não basta a reforma da Previdência.
*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República em entrevista: 'Estamos em transição, mas sem saber para quê', Folha de S. Paulo, 26/5/2019.
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