- Folha de S. Paulo
A descrição de Bolsonaro para definir os protestos descrevem o seu próprio governo
“A maioria ali é militante, não tem nada na cabeça. Não sabe nada.” Essas palavras foram usadas pelo presidente Jair Bolsonaro para qualificar quem participou dos protestos da última quarta-feira. Mas, por uma dessas ironias cósmicas, elas caem como uma luva para descrever seu próprio governo. Como sou educadinho, preferi omitir os termos pouco edificantes que o presidente empregou logo em seguida à declaração destacada.
Com efeito, é difícil não classificar como exercício de militância ideológica a fala do chanceler que disse que o nazismo foi um movimento de esquerda ou a ameaça do ministro da Educação de cortar verbas de universidades que promovessem “balbúrdia, bagunça e evento ridículo”. O próprio Bolsonaro precisa ser incluído nesse grupo, quando determina que as Forças Armadas celebrem o golpe de 64.
Cumpre observar que nem a ala racional do governo —o Ministério da Economia— está isenta de ativismos. Afinal, nem todos os postulados da variante de liberalismo defendida por Paulo Guedes estão amparados em demonstrações científicas.
A verdade, inconveniente, é que humanos nos apaixonamos facilmente por nossas próprias ideias, que passamos então a defender como militantes. Uma passagem de Robert Wright em “O Animal Moral” que não canso de citar resume bem nossa condição: “O cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade”.
Como encontrar a verdade é útil num bom número de situações, deveríamos nos esforçar para refrear nossos ímpetos ideológicos mais extremados e convir não apenas acerca de fatos como também em torno de alguns consensos políticos (democracia) e sociais (redução de conflitos, eliminação da pobreza). É difícil, mas não impossível.
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