Milhões de cidadãos de 28 países vão às urnas esta semana para eleger novo Parlamento Europeu
Fernando Eichenberg / O Globo
PARIS - As eleições para o Parlamento Europeu, organizadas a cada cinco anos desde 1979, são reconhecidas como um pleito, embora de ambições continentais, dominado por questões nacionais, em debates políticos vinculados às realidades específicas de cada país. O paradoxo eleitoral permanece válido para o escrutínio desta semana, mas as campanhas deste ano, segundo analistas, alcançaram um maior teor europeu e uma inédita importância em relação às edições passadas, em grande parte pela emergência e crescimento dos partidos nacionalistas e de extrema direita, que usam o embate como tribuna para suas críticas ao atual funcionamento da União Europeia (UE). De acordo com as sondagens, as forças políticas populistas e da direita radical deverão incrementar seu número de eurodeputados em Bruxelas, ainda que de forma insuficiente para constituir maioria parlamentar.
Cerca de 400 milhões de cidadãos de 28 países — incluído o Reino Unido, ainda em negociações sobre o Brexit — estão cadastrados para ir às urnas entre os próximos dias 23 e 26, em uma eleição caracterizada por sucessivos índices recordes de abstenção (de 38%, em 1979, a mais de 57%, em 2014). Consideradas um pleito de segunda categoria, as eleições europeias, constantemente usadas como um voto de sanção ou de aprovação aos governos no poder, com reflexos nos tabuleiros políticos nacionais, passaram também a operar como plataforma para os partidos eurocéticos e
Na Itália, o movimento ultraconservador Liga, do vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, está à frente nas pesquisas de opinião, com mais de 30% das intenções de voto. O Movimento 5 Estrelas, do também vice-premier Luigi Di Maio, ocupa o terceiro lugar, com 21%. Na França, as sondagens apontam uma disputa acirrada pelo primeiro lugar entre a Reunião Nacional (RN), da líder de extrema direita Marine Le Pen — já vitoriosa no pleito de 2014 — e o partido governista pró-europeu República em Marcha (LREM, na sigla em francês), do presidente Emmanuel Macron, ambos com pouco mais de 20% de intenções de votos.
Para o analista Francisco Roa Bastos, da Universidade de Estrasburgo, na França, a mudança do contexto político e socioeconômico desde 2014, com a crise imigratória, a desconfiança crescente em relação à globalização, as reivindicações por maior poder de compra — vide o movimento dos coletes amarelos na França —, as turbulências na zona do euro e a vitória do Brexit explicam a “cristalização de uma forte impulsão populista e eurocética”.
— As eleições europeias favorecem essas forças políticas, que têm a oportunidade de aparecer bem mais, como foi o caso, no último pleito, do Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip, em inglês), então liderado por Nigel Farage, que hoje é o favorito nas pesquisas com seu novo Partido do Brexit (creditado com mais de 30% das intenções de voto). É algo que vale também para partidos populistas em geral, mesmo que não sejam particularmente anti-UE. Eles não terão maioria no Parlamento Europeu mas, se conseguirem formar um grupo único de 150 membros, será algo novo e bastante significativo.
Salvini à frente
A dinâmica eleitoral já favorável aos partidos populistas em 2014 tende a crescer no pleito deste ano, prevê também Nonna Mayer, do Centro de Estudos Europeus e de Política Comparada, com a diferença de que, desde então, algumas dessas formações políticas chegaram ao poder. São os exemplos da Liga italiana e da aliança agora desfeita na Áustria entre o conservador Sebastian Kurz, do Partido Popular Austríaco (ÖVP), e o Partido pela Liberdade (FPÖ), sob comando de Norbert Hofer e Heinz-Christian Strache.
— Sem falar nos partidos populistas ditos mainstream, muito próximos da extrema direita, como na Hungria (Fidesz, do primeiro-ministro Viktor Orbán) e na Polônia (Lei e Justiça, do premier Mateusz Morawiecki) — acrescenta Mayer. — Essas formações têm suas ideias aplicadas em um número crescente de países, mas não constituem um bloco homogêneo. Salvini, antes no grupo de Marine Le Pen com austríacos e holandeses, hoje reavalia suas alianças. Estamos em um período de recomposição no interior dessa direita populista. As estimativas não lhes dão mais de um quarto dos assentos do Parlamento, o que, no entanto, já é bastante.
Gilles Ivaldi, analista político do Centro Nacional de Pesquisas Sociais (CNRS, na sigla em francês), destaca o avanço dessas ideias em países que até recentemente haviam sido poupados da direita radical populista, que passou a pesar nos debates políticos nacionais, casos da Espanha (Vox), Finlândia (Partido dos Finlandeses), Suécia (Democratas Suecos) ou Alemanha (Alternativa para a Alemanha, AfD).
— Em relação a 2014, hoje as condições parecem reunidas para que um grupo bastante importante dos grandes partidos da direita populista e nacionalista europeia seja constituído em torno de Matteo Salvini, o que é uma evolução marcante. E em uma situação de maior ameaça, porque foi adotado um programa menos radical em relação à Europa, o que pode seduzir eleitores mais moderados. Já não se fala mais em abandonar o euro ou em acabar com a UE. Após os resultados das urnas, se saberá melhor qual poderá ser o alcance desta aliança e quais os partidos envolvidos.
‘Desvio semântico’
O analista Patrick Moreau, autor de “A outra Alemanha: o despertar da extrema direita”, observa um “desvio semântico” no discurso da maioria dos partidos da direita populista, que antes reclamavam a “explosão do sistema europeu” e, hoje, reivindicam uma transformação feita de seu interior.
— A relação de forças, no entanto, ainda é negativa para esses partidos. Haverá uma progressão, mas não uma onda populista no Parlamento Europeu. O potencial eleitoral da AfD permanece intacto, estima-se que poderá chegar a 12% ou 13% dos votos, mais do que os 7% obtidos em 2014. Para os demais partidos nacionais populistas, seja na Eslováquia ou na Dinamarca, o nível é bastante elevado, mas não passa dos 15% ou 20%. Estamos assistindo a um reequilíbrio político em nível europeu. Mas os partidos democráticos permanecerão dominantes, e certamente haverá alianças entre as diferentes formações para neutralizar estes grupos radicais.
Na opinião de Moreau, uma das questões cruciais após a contagem dos votos e a reorganização dos assentos será saber se os conservadores cogitarão, no âmbito europeu, alguma forma de coalizão com os nacional-populistas. Recentemente, o Partido Popular Europeu (PPE), da direita tradicional, rompeu com o Fidesz de Viktor Orbán, considerado demasiado radical, o que não impediria, porém, novas reviravoltas do jogo político a curto prazo.
— A estratégia oficial dos conservadores é recusar uma aliança com a extrema direita — diz. — A oficiosa, no entanto, não descarta nenhuma opção. O PPE faz campanha com Sebastian Kurz, que governa com a direita radical. No momento, todo mundo mantém uma certa prudência, à espera dos resultados e do esperado avanço limitado dos partidos nacionalistas e populistas.
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