- O Estado de S.Paulo
Devotado a seu guru, o presidente se absteve de repelir a ofensa brutal ao general Villas Bôas
Nem o governo aposta mais num mísero e constrangedor crescimento econômico de 2% neste ano, e uma nova projeção oficial é esperada para os próximos dias. Mas a palavra “governo” é um tanto imprópria, nesse caso, porque seu significado inclui, normalmente, a Presidência da República. O presidente Jair Bolsonaro tem mostrado, de fato, menos preocupação com a economia do que com outros assuntos, provavelmente mais altos em sua escala de prioridades. Enquanto o pessoal do Ministério da Economia refazia as contas e o ministro Paulo Guedes batalhava no Congresso pela reforma da Previdência, o chefe de governo cuidava de um decreto sobre porte de armas. Estava cumprindo, segundo explicação de gente do Executivo, uma promessa de campanha. Faz sentido. O último balanço trimestral apontou apenas 13,4 milhões de desempregados, número muito menor que o dos beneficiários potenciais do decreto do bangue-bangue. Segundo cálculo do Instituto Sou da Paz, informou o Estado, cerca de 19 milhões de pessoas poderão ter acesso facilitado a armas – e a armas pesadas, anteriormente permitidas apenas a policiais e a membros das Forças Armadas. Alguém poderá, no entanto, propor uma comparação diferente.
Como ficaria a discussão se fôssemos além dos 13,4 milhões de desempregados e tomássemos como referência a população subutilizada, formada por 28,3 milhões de pessoas? Os desempregados, medidos segundo critério internacional, são apenas uma parcela desse conjunto. O contingente dos subutilizados supera o dos potenciais portadores de armas. Talvez pudesse merecer, portanto, maior atenção do presidente. Mas isso ocorreria somente se ele estivesse disposto a cuidar de um assunto mais complicado. Ele tem mostrado certa aversão a esse tipo de exercício, embora se tenha declarado capaz, há pouco tempo, de criticar a metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas o presidente, é preciso reconhecer, vem cuidando da educação, apontada como prioritária por apoiadores e também por críticos do governo. Pelo decreto das armas, menores de 18 anos poderão exercitar-se em clubes de tiro sem autorização judicial. Bastará a permissão de um responsável legal. Com isso, o processo educacional ficará menos burocratizado, com vantagem para a formação de crianças e jovens.
A preocupação do presidente com a educação é visível, também, na seleção cuidadosa de ministros e secretários para a área. O atual, Abraham Weintraub, exibiu admirável modéstia, em depoimento no Senado, ao apontar seu currículo como superior à “média dos últimos 15 ministros”. Essa média é um conceito um tanto obscuro, mas pode-se deixar de lado o detalhe. Vale a humildade: por que levar em conta só os “últimos 15 ministros”?
Ele também mostrou, como o chefe Bolsonaro, pouco apreço a pormenores insignificantes. Referiu-se a Kafta, quando talvez quisesse mencionar Kafka. Estaria com fome? Lembrou ter sido processado administrativamente na universidade onde trabalhou e comparou os condutores do processo a agentes da Gestapo.
Poderia ter lembrado o caráter esquerdista da Gestapo, organização a serviço do governo nazista. O nazismo, já disse o presidente Bolsonaro em visita a Israel, foi um movimento de esquerda, detalhe ignorado no Museu do Holocausto.
Fiel ao estilo de seu chefe, o ministro tem mostrado em várias ocasiões seu desprezo a ninharias. Qual a importância de escrever “insitaria”, como num de seus tuítes, em vez de “incitaria”? Em outra ocasião, numa transmissão ao vivo com o presidente, confundiu 3,5 chocolates com 30, mas esse, de fato, é um tropeço muito menos importante do que as trapalhadas sobre os orçamentos das universidades.
Um corte de 30% foi apresentado inicialmente como punição a três instituições federais, por ele acusadas de balbúrdia. Em sua opinião, ministro tem de controlar festinhas e impedir gente pelada e drogas, além, é claro, de fiscalizar ideologicamente as aulas e as disciplinas. O corte, ou contingenciamento, acabou sendo generalizado e atingiu também universidades estaduais, pela suspensão de bolsas de pesquisa.
Enquanto isso, a economia se arrasta, o governo é acuado no Congresso, ninguém sabe como ficará o projeto de reforma da Previdência e o futuro permanece embaçado. No mercado, a mediana das projeções de crescimento econômico em 2019 já caiu para 1,49%. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC) enfatiza, em comunicado, a dificuldade de tomar decisões num ambiente de muita incerteza. Até o BC?
Já se fala, no Ministério da Economia, em liberar mais dinheiro do Fundo de Garantia para estimular o consumo e os negócios. E o presidente? Continua dando mais atenção a seu guru Olavo de Carvalho que ao vice Hamilton Mourão e a vários ministros, incluído o da Economia. Quando o guru ofendeu o general Eduardo Villas Bôas com uma grosseria incomum, ministros e políticos de vários partidos condenaram a agressão e prestaram homenagem ao ofendido.
Sem dizer uma palavra contra o ofensor, o presidente o elogiou. “Olavo de Carvalho”, escreveu Bolsonaro referindo-se à carreira do mestre, “rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos”. Ícone ou fã? Como sempre, as palavras são tratadas com o desprezo adequado a coisas menores. Bolsonaro reserva sua atenção às coisas e pessoas de fato importantes, como Olavo de Carvalho, por ele condecorado com a Ordem de Rio Branco.
Mas o tuíte, com a homenagem ao guru e a desatenção ao general brutalmente ofendido, vale algumas perguntas. Seu aspecto mais notável será o linguístico? Será o político, pelo culto reiterado a um ícone boquirroto, conselheiro na nomeação de ministros, censor de outros e orientador do governo? Ou o mais importante, enfim, será a qualidade moral da posição de Bolsonaro em relação a ofensor e a ofendido?
*Jornalista
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