- O Globo
Por simples teimosia, falta de visão e articulação política, o presidente Jair Bolsonaro apanha no Congresso Nacional como se estivesse em fim de mandato. Logo na largada demitiu aquele que melhor dialogava com a casa, o ex-ministro Gustavo Bebianno, atendendo a futricas do filho Carlos. Depois, demorou a recuar da sua decisão de não fazer concessões em torno de projetos que queria aprovar. E agora, não consegue sequer que parlamentares alinhados se entendam e aprendam a lidar com a política. E a votar a favor de suas propostas.
O que se viu na votação da comissão especial do Congresso que analisa a reforma administrativa foi um típico ajuste de contas, bem conhecido do Congresso, e sempre articulado pelos partidos de centro que buscam incessantemente espaços no poder para usar como trampolins políticos que os mantenham em cena. Analisando mais de perto os pontos aprovados e rejeitados pela comissão, dá para se entender como foi cuidadoso o trabalho fisiológico dos deputados do centrão com o apoio do PT.
1 - Tirar o Coaf do Ministério da Justiça e o devolver para o Ministério da Economia amputa uma dos braços do ministro Sergio Moro. Sem o Coaf, que controla todas as atividades financeiras do país, o xerife da corrupção perde a visão geral que teria automaticamente sobre a movimentação de fundos de pessoas, empresas, políticos ou partidos suspeitos. Quem ganha são a banda podre da política e o crime organizado (milícia, tráfico, contrabando etc). Foi o Coaf que identificou as movimentações vultosas de Fabrício Queiroz e, num passado mais remoto mas ainda vivo na memória nacional, escancarou o mensalão do PT.
2- A devolução da Funai da Agricultura para a Justiça, decidida pela mesma comissão, só tem um sentido: empilhar mais problemas na mesa de Moro. Não que a atribuição da questão indígena seja da Agricultura, não é. Mas, neste momento, o que parece ter movido 15 dos 24 deputados que votaram foi a vontade de atrapalhar, de tirar o foco do ministro que assumiu para si a tarefa de varrer a corrupção da vida pública.
3 - Foi tirada do Ministério da Economia e entregue ao Ministério da Ciência e Tecnologia a competência de formular a política do desenvolvimento industrial brasileiro. O que significa isso? Significa tirar de quem tem a missão de zelar pelo orçamento, enxugando gastos e cortando verbas desnecessárias, o poder de criar incentivos fiscais para setores industriais. Ou seja, num outro ministério fica mais fácil convencer alguém a abrir mão de receita, a conceder benefícios, a desembolsar dinheiro público, em última análise.
4 - Foram mantidos pela comissão os dois ministérios novos propostos pelo governo, o da Integração Nacional e o das Cidades. Claro, haverá mais cargos de ministros, secretários adjuntos, chefes de gabinetes e assessores, muitos assessores para serem ocupados . Além de descentralizar a alocação de verbas. 5 - O jabuti colocado em cima da frondosa árvore da reforma administrativa foi aprovado. Com ele, os auditores da receita são proibidos de investigar crimes que não tenham natureza fiscal. O auditor nada poderá fazer se identificar, por exemplo, um súbito e absurdo enriquecimento de um contribuinte qualquer, mesmo que desconheça a sua origem, se o imposto devido tiver sido recolhido. Com a decisão, indícios de corrupção e lavagem de dinheiro não poderão mais ser compartilhados pela Receita com o Ministério Público sem ordem judicial. Por quê? Quem ganha com isso? Desnecessário responder.
O governo está desarticulado e vai acabar, ao contrário do sonho de Bolsonaro, perdendo mais do que seus antecessores na relação com o Congresso. É de tal grandeza a bateção de cabeça da base no plenário, que o deputado Diego Garcia (Podemos PR) conseguiu, numa questão de ordem, impedir a votação da proposta aprovada pela comissão. Votação que poderia inclusive derrubar o jabuti e as outras mudanças incluídas na proposta. A MP foi para o fim da fila e nenhum líder governista reagiu ou defendeu o deputado Rodrigo Maia que estabelecera a inversão da pauta, mas recuou ao ser chamado de desleal pelo deputado do Podemos. E o deputado apoia o governo Bolsonaro. Pode?
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