domingo, 12 de maio de 2019

Os excessos da Justiça: Editorial / O Estado de S. Paulo

Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o então presidente Michel Temer, ao conceder o indulto natalino em dezembro de 2017, não excedeu suas competências constitucionais, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) excedeu-se em suas prerrogativas, determinando a prisão preventiva de Michel Temer apesar de não estarem preenchidas as condições legais. Ainda que o desfecho do processo do indulto tenha feito jus ao que manda a Constituição, os dois casos mostram como, às vezes, a Justiça pode ser causa de graves abusos contra o Direito.

No art. 84, a Constituição estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. E o art. 5.º, XLIII prevê quais crimes não podem ser anistiados: “a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”.

Apesar de o Decreto 9.246/2017 respeitar perfeitamente as condições constitucionais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade do indulto natalino, entendendo que ele “ampliou os benefícios desproporcionalmente e criou um cenário de impunidade no País”. O indulto de 2017 é, de fato, mais amplo do que os de anos anteriores.

Com o Supremo em recesso, o processo foi remetido à então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que suspendeu, por decisão liminar, os efeitos do Decreto 9.246/2017. Era o início de uma interferência do STF em seara do chefe do Executivo federal. Em março de 2018, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, permitiu a aplicação parcial do decreto, considerando que, em algumas situações, não havia motivo para sustar o benefício. Ao atuar assim, o relator reescreveu o indulto, assumindo uma competência exclusiva do presidente da República.

Quando o caso foi a julgamento pelo plenário, em novembro de 2018, logo se formou maioria a favor da constitucionalidade do Decreto 9.246/2017. No entanto, um pedido de vista do ministro Luiz Fux suspendeu o andamento. Agora, o plenário reconheceu, por 7 votos a 4, a plena validade do decreto de Michel Temer. “Não pode o subjetivismo do chefe do Poder Executivo ser trocado pelo subjetivismo do Poder Judiciário”, lembrou o ministro Alexandre de Moraes. Foram mais de 16 meses para que o Supremo reconhecesse que ele não tem poderes para alterar o indulto presidencial. Ainda que o decreto seja passível de críticas, trata-se de um ato discricionário do presidente da República, dentro de suas atribuições constitucionais.

O que não está dentro das atribuições constitucionais é a Justiça decretar prisão preventiva fora das hipóteses legais, como voltou a ocorrer nesta semana com Michel Temer. De forma surpreendente, a 1.ª Turma Especializada em Direito Penal do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, por maioria de votos, cassou a liminar concedida pelo desembargador Ivan Athié e restaurou a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer e do coronel Lima.

Na mesma estranha lógica da decisão da primeira instância, os desembargadores Abel Gomes e Paulo Espírito Santo não apontaram nenhum elemento atual que justificasse a prisão preventiva – que é uma medida excepcional e deve, portanto, ser rigorosamente fundamentada. Cabe à Justiça mostrar como o comportamento de um cidadão se encaixa nas hipóteses previstas na lei. No entanto – e é isso o que se tornou frequente nos últimos anos em muitas esferas da Justiça –, os desembargadores do TRF-2 simplesmente citaram as situações previstas em lei, sem mostrar como elas estavam presentes no caso concreto. Dessa forma, o que foi posto pelo legislador para limitar a arbitrariedade do Estado – por exemplo, só pode prender caso houver risco real da prática de novos crimes – transforma-se em autorização para o juiz fazer o que bem entenda. Esses excessos não cabem na Justiça de um Estado Democrático de Direito.

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