- Folha de S. Paulo
Sem rumo, governo, dinheiro e dividido, Brasil volta a falar de mudar de regime
Quando a elite política está perdida, ressurge a conversa de parlamentarismo, seja “branco”, pingado, semidesnatado ou até integral, com mudança de fato de regime de governo.
Isso deu em nada ou jamais prestou, em 1961, 1988, 1993 ou 2016. No entanto, a pressão do presidente e do bolsonarismo contra o Congresso incita medo e revolta parlamentar, clima propício para o impasse, beco sem saída onde justamente vivem fantasmas ou fantasias como a do parlamentarismo.
Vários senadores, não apenas tucanos, planejam lançar a mudança constitucional para o governo que começa em 2022. Vários deputados, no limbo entre a falta de liderança do governo e a pressão de ruas e redes, se interessam pelo assunto.
Além desse devaneio, há o programa conhecido, mas ainda tateante, de limitar os desvarios de Jair Bolsonaro e de substituir a inoperância do governo. Como se tem sabido, a Câmara em particular pretende, imagina ou fantasia:
1) ter “pauta própria”, a começar pelas reformas da Previdência e tributária;
2) limitar o poder do presidente de baixar medidas provisórias;
3) evitar que Bolsonaro faça nomeações estrambóticas para agências de governo, Ministério Público e Judiciário;
4) derrubar decretos ilegais, ineptos ou repugnantes do presidente, que tem apreço especial pelo instrumento.
Apesar dessas vontadezinhas de poder, a voz esganiçada das redes e a ameaça das ruas assustaram deputados, como se notou nas votações da semana passada. O ronco das redes também fez aumentar na Câmara aquela raiva derivada do medo. Um dos principais motes das manifestações convocadas pela extrema direita neste domingo (26) é “Contra o centrão”.
Além disso haverá faixas e discursos pela reforma da Previdência, pela Lava Jato e gritos golpistas. Desse modo, o centrão e, em geral, o miolão do Congresso, mais de 300 deputados, ficam no triângulo das bermudas assim demarcado: a) pelos chinelos de Bolsonaro, que os detesta; b) pelas ruas adversárias da reforma; c) pelas ruas que os odeiam e os pressionam a votar com o presidente, até pela reforma.
Ficam, pois, acuados, sem ter para onde correr e com dificuldade de fazer qualquer coisa. Mesmo com o bom senso de lideranças que querem evitar o colapso econômico e administrativo, o Parlamento não tem condições de governar no presidencialismo.
Em outra era geológica do Brasil, o parlamentarismo foi o meio de evitar um golpe militar, apenas adiado em 1961.
Na ruína de José Sarney (1985-90), o Congresso dominado pelo velhoMDB (incluía tucanos e “autênticos”) tentou controlar o governo —não evitou o naufrágio nem o descrédito das lideranças políticas, o que daria em Fernando Collor.
No começo dos anos 1990, depois de uma década de crise econômica, com o colapso de Collor (outro salvacionista populista) e com a perspectiva de um plebiscito, voltou a conversa parlamentarista, derrotada de lavada pelo eleitorado.
Pouco antes da derrubada de Dilma Rousseff, ainda se pensou em trocar impeachment por parlamentarismo. Depois do Joesley Day, Michel Temer falava em mudar o regime em 2018.
Essa conversa de parlamentarismo é sintoma de país desembestado, desgovernado, sem acordo nenhum do que deve ser feito, sem força hegemônica capaz de impor direção, desarticulado politicamente e com sociedade dividida e à deriva. Não é remédio, é diagnóstico. Errado.
Se a re-recessão vier, florescerão ainda mais flores de ideias malucas.
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