Previdência cria privilégios, e gastos sociais como um todo não chegam às crianças pobres
A pauta em que a reforma da Previdência está colocada é na verdade mais ampla. Não que as mudanças nos sistemas de seguridade deixem de ter relevância. Têm, e muita. As despesas com aposentadorias e pensões equivalem à metade de todos os gastos primários (com a exceção dos juros da dívida) do Orçamento da União. Nos estados e municípios, ocorre o mesmo, e chega até a ser mais grave. Há o debate sobre as propostas para a reforma previdenciária, mas existe também, numa visão mais ampla, a necessidade de se entender como a Previdência e toda a assistência social promovem, ao contrário do que se possa achar, injustiças sociais. Chega a ser um contrassenso.
Há pouco, o jornal “Valor Econômico” publicou trabalho de Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, sobre a evolução do Coeficiente de Gini, no início deste ano.
O indicador, que mede o nível de concentração de renda — quanto mais próximo de zero, melhor; e pior quando sobe em direção de um —, mostra degradação na distribuição de renda neste início de ano. Mantém a tendência negativa observada desde pelo menos 2015. Não é coincidência que tenha sido este o ano do aprofundamento da recessão iniciada em 2014, pelo erros cometidos no governo Dilma, e que se estendeu até 2016. Os sinais posteriores de tênue recuperação, porém, até hoje não se transformaram numa retomada consistente do PIB.
O desemprego atingiu 14 milhões em 2017, e se mantém na faixa dos 13 milhões. A renda terminaria mesmo se concentrando, porque perdem emprego os menos qualificados, e quando contratações voltam a ser feitas, eles não são os primeiros beneficiados.
A Previdência ajuda a piorar este quadro distributivo, porque sustenta castas de servidores públicos com elevadas pensões e aposentadorias. Como são estáveis, mantêm seus empregos e sua renda enquanto cresce o desemprego no setor privado. O Coeficiente de Gini em alguma medida capta esta séria distorção, que a reforma da Previdência, se aprovada, pode acabar para as próximas gerações do funcionalismo, já que existem direitos adquiridos pelos atuais servidores. Distorções gritantes como o fato de a aposentadoria média do servidor do Poder Legislativo ser de R$ 29 mil, contra R$ 1.300 no INSS —em que estão os assalariados do setor privado, a grande maioria —, funcionam em favor da concentração de renda, apesar de todos os programas sociais.
Há, também, outros mecanismos, criados para combater a pobreza, mas que não beneficiam alguns segmentos mais desprotegidos da população. A criança, por exemplo. Entre vários dados que o secretário da Previdência, Rogério Marinho, levou à Comissão Especial da reforma, um merece especial atenção de políticos e administradores públicos: segundo levantamento do IBGE, em 2017, a pobreza extrema era sete vezes maior entre jovens e crianças do que no grupo dos idosos — 12,5% e 1,7%, respectivamente.
A Previdência é eficiente mecanismo concentrador de renda, mas, com exceção do Bolsa Família, que tem foco mais fechado, outros programas não atingem os mais necessitados, como crianças e jovens. Estudo dos economistas Paulo Tafner e Márcia Carvalho comprova, com dados de 2019, que do total de famílias atendidas pela LOAS (Lei Orgânica e de Assistência Socia) e pela RMV (Renda Mensal Vitalícia), para idosos, só 21% delas tinham crianças.
Os jovens também terminam discriminados na distribuição de verbas do MEC para o ensino básico e o superior. Este, privilegiado. A Previdência é uma reforma chave. Mas há outras também a serem executadas. E, da mesma forma, com urgência, alertam essas e outras distorções sociais produzidas pelo próprio Estado.
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