sábado, 13 de julho de 2019

À sombra do pai: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro atropela práticas republicanas ao lançar filho para embaixada nos EUA

Seriam suficientes as imagens do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) vestindo um boné da campanha à reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para lançar dúvidas sobre a conveniência de sua indicação ao cargo de embaixador naquele país.

O comprometimento do parlamentar com uma candidatura específica não se coaduna, afinal, com a moderação e sobriedade que se espera do ocupante do cargo.

Mas há, como se sabe, outros óbices à pretensão —a começar pelo fato óbvio de tratar-se de um filho do presidente da República.

Mesmo que por alguma tecnicalidade o caso não fira as restrições ao nepotismo, a escolha promove inevitável e indevida sobreposição entre relações familiares e institucionais, abrindo brecha para um entrelaçamento pouco republicano das esferas pública e privada.

Como observou o diplomata e ex-ministro Rubens Ricupero, que foi embaixador em Washington entre 1991 e 1993, a medida seria mais adequada a regimes monárquicos absolutistas ou —como de fato se verifica— a governantes populistas inclinados a imprimir seu personalismo às políticas de Estado.

O episódio chegou ao ridículo com rumores aparentemente vazados pelo governo brasileiro de que Trump, desde sempre um modelo para Bolsonaro, estaria a considerar um de seus filhos para a embaixada americana em Brasília.

Decerto que o deputado preside a Comissão de Defesa e Relações Exteriores da Câmara e já opera como uma espécie de ministro informal, ou “chanceler sombra”, como foi apelidado. Cultiva boas relações, ademais, com o núcleo do poder e figuras importantes do conservadorismo americano, o que deve facilitar seu trabalho.

Ainda assim, sobressai o constrangimento provocado pelo sobrenome e pelo adesismo de Eduardo —e não apenas porque nos EUA ele terá de dialogar também com a oposição democrata.

Em sua argumentação simplória, o presidente diz que o filho seria talhado para a função por falar inglês e espanhol e interessar-se pelas relações exteriores.

Não se trata de critérios estapafúrdios para quem, poucos dias antes, anunciou a intenção de indicar um nome “terrivelmente evangélico”para o Supremo Tribunal Federal. Deveria ser ocioso apontar, sem nenhuma objeção a qualquer credo, que esse não pode ser um parâmetro de escolha.

Resta lembrar que nas democracias decisões do chefe do Executivo estão submetidas a outros crivos. Nos dois casos, o do embaixador e o do magistrado, será preciso obter o aval do Senado.

Ainda que a Casa costume reiterar designações do presidente, eleva-se a possibilidade, especialmente para um governo pouco articulado no Parlamento, de resistências.

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