sábado, 13 de julho de 2019

Daniel Aarão Reis: A terceira margem da Europa

- O Globo

Aparecem forças da esquerda moderada. Havia a respeito delas previsões catastróficas que, afinal, não se concretizaram

As recentes eleições europeias representaram um notável acontecimento democrático: em 28 estados nacionais, dezenas de milhões de cidadãos escolheram 751 representantes, na base do voto universal e secreto e em condições singulares de liberdade. Além disso, contrariando tendência de mais de duas décadas, inverteu-se a curva declinante de votantes. Na Alemanha, principal Estado europeu, quase 60% dos eleitores compareceram. No conjunto do continente, um pouco mais de 50% foi às urnas, destacando-se uma presença ativa e inédita de jovens.

Para além das particularidades nacionais e da infinidade de siglas partidárias, emergiram três grandes tendências políticas.

O centro conservador liberal, perdendo três cadeiras, permaneceu a maior força, com 282 deputados. Agrupam-se aí centristas e uma direita moderada, em defesa de uma Europa unida e democrática, comprometida com os valores liberais e com as atuais opções da Comissão Europeia. Apoiam as políticas que jogaram nas costas dos trabalhadores e dos assalariados os custos de superação da crise de 2008, o que se traduziu em deterioração dos serviços públicos, precarização do trabalho, desemprego, concentração de renda e aumento significativo das desigualdades sociais e econômicas. Seus eleitores advêm das camadas sociais menos alcançadas pela crise e das faixas de idade mais velhas, com votações expressivas na Alemanha, França, Polônia e Inglaterra.

A extrema direita consolidou sua força, com votações expressivas na França, na Itália e na Inglaterra, e também na Polônia e na Hungria. Com 173 deputados (um acréscimo de 20 cadeiras), sustenta posições nacionalistas e antidemocráticas. Seu eleitorado é bastante heterogêneo, transversal em termos de classes sociais. Cultiva as tradições nacionalistas num sentido restritivo e excludente, fazendo dos imigrantes um bode expiatório. A tentativa de aparecer como última linha de defesa de nações supostamente ameaçadas pelo “globalismo” e o “cosmopolitismo” de Bruxelas, onde está sediada a Comissão Europeia, tem contribuído para captar votos inclusive das camadas populares.

Numa terceira margem, aparecem as forças da esquerda moderada. Havia a respeito delas previsões catastróficas que, afinal, não se concretizaram. Seus 227 representantes (11 a menos que nas últimas eleições) reúnem deputados de diferentes sensibilidades — social-democratas e verdes — mas seus denominadores comuns são maiores que suas divergências na perspectiva de construção de uma Europa democrática, solidária, baseada na justiça social e em concepções não predadoras do meio ambiente. Tiveram importantes votações na Alemanha e na França (crescimento dos verdes), e em Portugal, na Espanha e na Romênia (social-democratas). A grata surpresa foi a votação dos verdes entre os jovens. Na Alemanha, em especial, eles foram sufragados por 34% dos eleitores na faixa etária entre 18 e 24 anos. Com menos intensidade, o fenômeno verificou-se também em outros países.

O desafio será o de construir uma articulação política entre verdes e social-democratas, ampliando-a no sentido da extrema-esquerda (38 deputados, um decréscimo de 14 cadeiras) e de lideranças centristas. Um programa capaz de combinar uma concepção inovadora de desenvolvimento (verdes) com políticas de redução das desigualdades sociais e econômicas (social-democratas). Com tributos sobre as grandes fortunas e controle sobre os monopólios financeiros e os gigantes da internet.

Seria possível, assim, abrir perspectivas alternativas para a Europa, superando a polarização entre conservadores e extrema direita. Entre a gestão da ordem, a chamada Europa do Capital (conservadores), e as imprecações xenófobas (extrema direita). Ambas não abrem caminhos construtivos. Rezo, jovem youtuber alemão, com seus cabelos azulados, fez uma sugestão jocosa: “argumentar argumentativamente”, demonstrando —e desmontando — as falácias destas propostas. Uma frente democrática, verde e popular teria condições de levar a ideia à prática.

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