A voz da deputada federal Tabata Amaral (PDT/SP) tem sido, politicamente, a mais completa dentre as sensatas e lúcidas que têm sido ouvidas ultimamente na política partidária brasileira. Sim, porque em meio ao aparente deserto em que estamos vivendo, sensatez e lucidez tem havido na direita, no centro e na esquerda. Dou como exemplos, dentre outros, Rodrigo Maia e ACM Neto, no DEM; Fernando Henrique Cardoso, no PSDB; Eduardo Jorge, no PV, Jacques Wagner, no PT. Cada um desses no seu papel, tem atuado para defender a política e as instituições dos perigos da polarização ideológica e cultural. Importante, especialmente, o papel construtivo e crucial que tem tido Maia na presidência da Câmara, como contraponto ao ânimo destrutivo do presidente da República, sua família, seu entourage e gurus. Trata-se de uma atitude necessária, do ponto de vista da conservação das instituições. Mas ela não é suficiente, do ponto de vista da construção de um novo polo político democrático.
Tabata Amaral também está ajudando a conservar instituições democráticas e indo além. Ela inspira (e promove) renovação política. Sendo a jovem que é e tendo as qualidades pessoais e políticas que tem, estabelece contraste poderoso com contrafações anti políticas, de vários tipos, que têm usado a grife "nova política" para auto promoção de personagens que mais parecem mirar a fama do que a vida pública. Ela, ao contrário, assume, com maturidade rara, as implicações de ter optado por buscar um mandato eletivo, numa democracia. Em vez de demonizar negociações e acordos, argumenta que são necessários; em vez de alinhar-se a uma das turmas da guerra cultural em que se quer converter a política brasileira, tem mostrado capacidade de refletir, de opinar sobre as matérias de modo sério e qualificado, como fez com a reforma da Previdência.
Aceitou com realismo a ideia de que o Brasil não poderia mais adiar essa pauta, mas fez isso sem se alinhar previamente ao conteúdo dado a essa ideia pelo mercado, ou pelo governo, afastando-se claramente de uma defesa ideológica ou fisiológica da reforma. Atuou criticamente, mas responsavelmente e nisso diferenciou-se, também, da maior parte da esquerda e da centro-esquerda brasileiras, que tomaram, seja por equívoco, atraso, oportunismo, ou pelas três coisas (isso pouco importa ao que quero dizer), o rumo da negação da realidade pela mistificação populista. Apoiou a ideia de uma reforma como necessidade do Brasil, um dos passos importantes para que haja o equilíbrio das contas públicas, condição sem a qual naufraga a ideia de uma renovação nacional com mais justiça social e mais pluralismo democrático nas instituições e nos costumes - ideia que, como parlamentar, ela tem representado. Desse modo, ela vem se tornando um canal de reconexão da política institucional com camadas sociais e pessoas abertas a energias positivas de renovação, aquelas energias que podem promover mudanças sem romper o fio da trajetória democrática inaugurada na década de 1980.
A deputada Tabata Amaral e outros que, como ela, estão hoje colocados na berlinda pela reação sem horizontes de quem empurrou a esquerda brasileira para um beco sem saída são figuras preciosas também - e muito especialmente - por serem de esquerda, por assim se declararem e por assim desejarem se manter. Qualquer que seja o caminho político que democratas brasileiros (à esquerda, ao centro e à direita) encontrem para defender nossa democracia dos seus adversários que hoje estão no governo, será preciso que os ventos da renovação alcancem a margem esquerda da nossa política, onde está difícil alguém ficar em posição de conforto sem rezar a cartilha da esquerda negativa.
Políticas e políticos como Tabata Amaral são esquerda positiva, comprometida com a tradição de ação política contra desigualdades de todos os tipos e de respeito às diferenças culturais e individuais. Precisam ser acolhidos por quem assim pensa, para que sua atuação seja viável nesse nosso velho e controverso território da esquerda. Nesse sentido, é por todos os ângulos lamentável que Ciro Gomes (cujas credenciais de esquerda são mais duvidosas do que as de Tabata Amaral), em vez de lhe oferecer oxigênio no partido que ela até aqui não renegou (enquanto Ciro já trafegou por vários), esteja formando ao lado dos que intencionam sufocar a renovação responsável que ela expressa.
Agindo assim, Ciro vira as costas a eleitores que, em 2018, conscientemente ou não, tiveram sensibilidade política e social de centro-esquerda e, entendendo também, com realismo, a importância do diálogo com os liberais, marcharam consigo nas eleições, acreditando ser ele uma alternativa social e democrática à política do PT. Se era para ficarmos com o mais do mesmo, quer dizer, se era para vê-lo defender postulados e quadros da velha política corporativo-estatal da qual o PT acabou se fazendo herdeiro, por que trocar esse original mais contemporâneo por um genérico cúmplice de visões ainda mais antigas, como as de notórios dirigentes do seu partido?
Na controvérsia entre Tábata Amaral e a direção do PDT, o ponto politicamente mais relevante não é se ela foi disciplinada, ou não. Evidentemente, não foi. O ponto é por que, nas condições de fragilidade em que se encontram a esquerda e a centro-esquerda no Brasil, um partido de centro-esquerda fecha questão contra a reforma da Previdência, mesmo havendo, na sua bancada, tantas opiniões conflitantes. Mesmo que não quisesse rever seus postulados anacrônicos, não seria mais prudente reconhecer, ao menos, a divergência do que tentar cobri-la com o tapete da disciplina?
*Cientista político e professor da UFBa.
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