- Valor Econômico
Partidos deveriam ir atrás do eleitor, e não do erário
O relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, deputado Cacá Leão (PP-BA) pretende aumentar de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões o orçamento do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para o ano que vem. Existem inúmeras razões para ser contra essa medida. Abaixo eu listo 12 delas:
1. Partidos e políticos até hoje não se conformam com o fim das doações de empresas. Entre 2012 e 2014, grandes companhias injetaram mais de R$ 6,8 bilhões em campanhas eleitorais, e a Lava-Jato demonstrou que boa parte desse montante era propina travestida de doações oficiais. Não faz sentido, portanto, querer que se compense, com dinheiro público, valores astronômicos alcançados quando as engrenagens da corrupção giravam em alta rotação.
2. Além do fundo eleitoral, os políticos já contam com o fundo partidário, que desde 2013 teve seu valor multiplicado por quatro e neste ano chegou a R$ 810 milhões.
3. Sem regras de governança, o poder de distribuição desses valores bilionários fica nas mãos dos caciques. Luciano Bivar (PSL-PE), por exemplo, ficou com 15% do fundo eleitoral destinado ao seu partido em 2018 - três vezes mais do que foi destinado a Jair Bolsonaro. No MDB, na disputa para a Câmara, os maiores agraciados tinham sobrenome Barbalho (PA), Alves (RN), Vieira Lima (BA), Raupp (RO), Miranda (TO) - ou seja, são os mesmos que sempre dominaram a política em seus redutos eleitorais.
4. Não cola o argumento de que no ano que vem serão necessários mais recursos porque as eleições serão realizadas em mais de 5.500 municípios. Campanhas para vereador e prefeito são bem mais baratas, pois são realizadas em territórios menores. Em 2016, 83,7% de todos os vereadores do país conseguiram se eleger utilizando menos de R$ 10 mil. No caso dos prefeitos, 74,6% chegaram ao poder gastando abaixo de R$ 100 mil.
5. As eleições de 2018 demonstraram que é possível ser bem-sucedido nas urnas com pouco dinheiro. E não foi apenas Bolsonaro que conseguiu se eleger sem recorrer a marqueteiros contratados a peso de ouro: de Áurea Carolina (Psol-MG) a Alexis Fonteyne (Novo-SP), muitos novatos chegaram à Câmara dos Deputados valendo-se principalmente das redes sociais e da militância de seus apoiadores.
6. Existem evidências empíricas mostrando que menos dinheiro nas campanhas aumenta a competição eleitoral. O trabalho de Avis, Ferraz, Final & Varjão (2019) indica que a imposição de limites de gastos em 2016 aumentou as chances de vitória de candidatos novatos e menos ricos.
7. Nos últimos anos a legislação brasileira permitiu o uso de novos instrumentos para captação de recursos, como as doações pela internet e o crowdfunding. Embora nas últimas eleições esses canais tenham sido responsáveis por apenas 0,6% da arrecadação total, alguns partidos como PSL (R$ 4,3 milhões), PT (R$ 3,9 milhões), Novo (R$ 2,6 milhões) e Psol (R$ 2,3 milhões) conseguiram arrecadar valores expressivos utilizando esses meios modernos de doação. Colocar mais dinheiro público nas campanhas pode inibir a criatividade dos candidatos em tentar convencer os eleitores a apoiarem financeiramente suas plataformas.
8. Em 2017 foram adotadas duas reformas importantes para aumentar a competitividade nas eleições brasileiras: o fim das coligações e a cláusula de desempenho. Como os fundos partidário e eleitoral são divididos de forma muito desproporcional entre os partidos (pois leva em conta seu desempenho nas eleições anteriores), injetar mais dinheiro público nas campanhas aumenta a vantagem dos partidos maiores.
9. Se o fundo eleitoral passar para R$ 3,7 bilhões, PSL e PT serão os maiores beneficiados, com R$ 435,5 milhões e R$ 385 milhões, respectivamente. São valores muito superiores aos demais partidos - só para se ter uma ideia, o terceiro partido na lista, o MDB, receberá "apenas" R$ 224 milhões. Logo, se você se preocupa com a polarização que divide o país, pode ter certeza que, com muito mais dinheiro, ela vai se acirrar.
10. Por mais que se esforce, a Justiça Eleitoral não tem condições de investigar a fundo a prestação de conta de centenas de milhares de candidatos. Existem evidências de mau uso de recursos nas últimas eleições em vários partidos brasileiros, a começar pelo laranjal do PSL. Logo, disponibilizar um volume ainda maior de dinheiro público incentivará novos crimes eleitorais.
11. Os parlamentares mudaram a Constituição para tornar a execução de suas emendas obrigatórias, sob o argumento de ter mais recursos para investimentos em suas bases eleitorais. Agora, decidem destinar 44% desse montante para financiar campanhas eleitorais. Você acha justo alocar R$ 2 bilhões a mais em cabos eleitorais e pacotes de mensagens divulgando fake news no Whatsapp, sendo que eles deveriam ser aplicados em postos de saúde, estradas e pontes?
12. Existem outras prioridades para tornar os políticos menos dependentes de dinheiro, como tetos de gastos mais baixos e limites nominais para doações de pessoas físicas. Seria muito propício, ainda, retomar as discussões sobre a redução do tamanho dos distritos eleitorais ou até mesmo a adoção do sistema distrital misto no Brasil.
É verdade que a democracia tem um preço e, num país continental como o nosso, realizar eleições não é barato. Acredito, contudo, que a solução não seja alocar mais dinheiro público nas campanhas. Em vez de recorrer ao erário, partidos e candidatos deveriam desenvolver programas de governo para conquistar não apenas mentes e corações dos eleitores, mas também seus bolsos.
Para um político, é muito mais fácil dobrar o valor do fundo eleitoral do que convencer milhares de eleitores a doarem para sua campanha. A pulverização das fontes de arrecadação - com limites baixos para doações de pessoas físicas, financiamento público e (por que não?) empresas - teria o poder de tirar nossos partidos e políticos da zona de conforto dos bilhões extraídos dos cofres públicos.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".
Nenhum comentário:
Postar um comentário