Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - Foi no meio da tarde de ontem, após a segunda declaração de Jair Bolsonaro sobre circunstâncias da morte de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, que o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, resolveu interpelar o presidente no Supremo Tribunal Federal. Até então, apesar da emoção e da dor que o assunto suscita à família, Santa Cruz estava disposto a tratar o assunto como "mais uma declaração irresponsável do presidente". Mas Bolsonaro ultrapassou todos os limites, disse o presidente da OAB ao Valor: "Ele introduz um fato novo, que é muito relevante: sendo verdade, o presidente da República reconhece que teve relação direta com os porões da ditadura."
Santa Cruz recebeu vários telefonemas de solidariedade, um deles do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). As manifestações de apoio, disse, vieram "de todo o Brasil, de todos os espectros políticos, de todas as religiões, de todas as regiões, do governador [João] Doria às bancadas da esquerda, passando por deputados, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia", a quem fez questão de agradecer. "Estão todos estupefatos. Todos perplexos com o limite que foi ultrapassado pelo presidente."
A interpelação ao STF, explicou, será elaborada "com base na Constituição, no papel dele como presidente da República, e a obrigação que tem de dizer a verdade". Caberia ainda, admite o presidente da OAB, citado nominalmente por Bolsonaro, uma ação civil contra o presidente por danos morais, bem como pedido de reparação. "Mas por enquanto não estou pensando nisso não", disse o advogado. O presidente da OAB prefere, por ora, não fazer nenhuma leitura sobre quebra de decoro do presidente.
Segundo Santa Cruz, Bolsonaro disse ter "informações que nunca vieram a público" sobre as circunstâncias da morte de seu pai, que desapareceu no Carnaval de 1974 e já reconhecido pelo Estado brasileiro como um preso e desaparecido político do período do regime militar.
"Ele [Bolsonaro] é o supremo mandatário da República e, portanto, tem um juramento constitucional de não mentir, de não faltar com a verdade. Vou interpelá-lo junto ao Supremo para que ele esclareça quem falou, quando falou, o que ele sabe da história do meu pai. E não só do meu pai, né. Já que ele tem essas relações, que ele possa esclarecer muitas famílias sobre o que elas procuram há décadas, que é a verdade sobre o desaparecimento de seus entes queridos", desabafou o presidente da OAB.
Para Felipe Santa Cruz, Bolsonaro explicita uma faceta perigosa, "a da crueldade", e não sabe separar o público do privado. "Ele é presidente da República. E acho que está na hora da sociedade brasileira deixar de ser tolerante com esses arroubos dele", afirma.
Felipe Santa Cruz disse que já teve o conforto de uma reparação histórica e judicial. A primeira foi em dezembro de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que reconheceu mortes de 136 pessoas como desaparecidos políticos e forneceu certidões de óbito. "Depois eu tive esse conforto do Poder Judiciário, na década de 90, que ditou que a União retirasse dos autos qualquer ofensa a meu pai. E lamento que o presidente da República reabra esse processo histórico de ódio, de separação, de desrespeito às pessoas. É lamentável num homem que se diz tão cristão."
Em transmissão ao vivo no Facebook ontem, Bolsonaro disse que o pai de Santa Cruz foi morto pelos próprios colegas da Ação Popular, movimento de resistência à ditadura que tinha participação da juventude católica. "Uma história que ouço pela primeira vez na minha vida. Ou o presidente participou pessoalmente da operação contra o meu pai, o que aí sim seria um fato bombástico, ou ele teve informações que ninguém nunca na vida teve. O Estado brasileiro nunca divulgou nada neste sentido." A Aeronáutica, enfatizou o presidente nacional da OAB, reconheceu o desaparecimento de Fernando Santa Cruz quando estava sob a custódia do Estado.
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