Lula fará discurso com proposta para o país no dia 22
As primeiras manifestações, na sexta-feira e no sábado, foram “falas de afeto e desabafo”. É a definição de um aliado do entorno mais próximo de Lula sobre os dois discursos proferidos pelo ex-presidente até agora. Uma prestação de contas à militância e um improviso carregado de emoção, de quem acredita que teve o direito de ir e vir violado injustamente, sem provas de que teria incorrido em ilícito penal.
No sábado, em São Bernardo do Campo, seu berço político, Lula ajustou a mira e apontou a metralhadora giratória contra o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, o ministro da Justiça, Sergio Moro, o que chamou de “banda podre” da Polícia Federal e do Ministério Público Federal e a imprensa.
Ao fim, entretanto, prometeu uma terceira fala, que ao contrário das anteriores não será marcada pelo improviso. “Quero fazer um pronunciamento ao povo brasileiro dentro de uns 20 dias. Quero pensar, vou escrever, rabiscar. Não queria fazer hoje [sábado] porque qualquer coisa que eu falar mais dura, vão dizer que eu estou com raiva, com ódio”.
Segundo a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), essa terceira manifestação ocorrerá antes desse prazo. Deverá ser a fala de abertura do Congresso Nacional do PT, programado para o dia 22 de novembro, em São Paulo, quando Gleisi será reconduzida para um novo mandato na direção do partido.
Enquanto não recomeça as caravanas pelo país e mergulha nas costuras dos palanques para 2020, Lula integra as articulações para a formação da nova Executiva do PT. O líder petista participará da última reunião da direção atual que será realizada em Salvador na quinta-feira. O senador Jaques Wagner (BA), um dos principais aliados de Lula, estava cotado para assumir uma das vice-presidências da sigla.
As duas primeiras falas públicas de Lula foram passionais, uma explosão de sentimentos de liberdade, indignação, alívio e até mesmo de raiva que ele despejou sobre os apoiadores. O objetivo desse tom mais emotivo é reunir, organizar e motivar a militância num momento em que a marca da oposição ao governo Bolsonaro é a apatia e a fragmentação.
A redação do terceiro discurso, entretanto, remonta aos bastidores da Carta ao Povo Brasileiro, um texto estratégico, calculado e repensado que marcou a campanha de 2002. Num momento decisivo, em que Lula buscava se consolidar como potencial vencedor daquele pleito, a dupla de coordenadores da campanha que fazia a interlocução com o mercado - Antonio Palocci e Luiz Gushiken - mediram as palavras para que Lula assumisse compromissos com a responsabilidade fiscal, a redução dos juros, a retomada da economia, mas também com justiça social.
Agora segundo um aliado que acompanha a redação do discurso, trata-se de uma nova “carta de intenções”. A diferença é que Lula não é candidato a assumir o governo. Mas o texto será programático, racional, e adotará um “tom de estadista”, de ex-chefe de governo e liderança popular disposto a capitanear a oposição. Ele apresentará um projeto de reconstrução do país, com propostas factíveis de combate à pobreza, ao desemprego e retomada do crescimento.
Num momento em que se receia um maior acirramento dos ânimos e a retomada das vias de fato nas ruas, com o confronto direto entre Lula e Bolsonaro, Gleisi ressalta que o líder petista “vai radicalizar a defesa dos direitos do povo e da dignidade de vida dos mais pobres”. Espera-se mais um confronto direto com Paulo Guedes do que com Bolsonaro.
O pronunciamento terá três pilares: a necessidade de reinclusão dos pobres na sociedade, o combate ao que o PT chama de dilapidação do patrimônio brasileiro, mediante o programa de desestatização, e a defesa enfática dos valores democráticos, contra a ameaça de censura e a escalada do fascismo.
Gleisi diz que Lula não se conforma com os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) de que metade da população, cerca de 100 milhões de brasileiros, vive com R$ 413 por mês. No discurso do sábado, Lula ressaltou que segundo a revista Forbes, 200 pessoas têm mais dinheiro do que 100 milhões.
Ele vai remarcar que os direitos trabalhistas estão sendo destruídos, enquanto o governo deveria estar preocupado em dar emprego e renda para os brasileiros e fortalecer a rede de proteção do Estado.
O teste de fogo será a capacidade de mobilização de Lula como líder da oposição. Em julho, lideranças petistas admitiam a frustração com o vazio das ruas porque nem os sindicatos que ainda guardaram algum fôlego ativista, como o dos petroleiros, organizaram protestos contra a venda da BR Distribuidora.
Um silêncio ensurdecedor marcou a venda da estatal. O governo manteve 37,5% de participação acionária na subsidiária da Petrobras e arrecadou R$ 9,6 bilhões com a desestatização. Uma lista das próximas estatais a serem privatizadas contempla os Correios, a Telebras, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
No mesmo pronunciamento, Lula deverá reafirmar a sua inocência. O ex-presidente mantém a expectativa com o julgamento no Supremo Tribunal Federal, ainda sem data fixada, que poderia anular o processo do tríplex do Guarujá ao argumento de que o então juiz Sergio Moro agiu com parcialidade ao condená-lo.
Seja com eloquência ou racionalidade, Lula avisou que soltará a língua. “Eu fiquei 580 dias preso sem ter com quem falar. Agora eu quero falar, me deixem falar”, exigiu.
Impaciente com as falhas dos microfones que lhe entregaram no palanque armado em São Bernardo do Campo, Lula mostrou que um ano e sete meses de confinamento não lhe roubaram a verve que empolga a multidão: “quando me dão dois microfones, já sei que um não vai funcionar”. Depois de cobrar a recuperação do poder de compra dos mais pobres, com troco para o churrasco e a cerveja, arrematou: “E nem estou pedindo para todo mundo virar corintiano.”
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