terça-feira, 12 de novembro de 2019

Ranier Bragon – Falsas equivalências

- Folha de S. Paulo

Abertura da cela de Curitiba reacende falsas equivalências entre lulismo e bolsonarismo

A não ser que classifiquemos os governos do PT como uma cruzada estatizante e antirreligiosa, uma espécie de ameaça comunista a corroer instituições e ameaçar fundamentos da democracia, trata-se de um senhor disparate classificar lulismo e bolsonarismo como ocupantes dos polos de nossa régua política, um à esquerda, outro à direita.

O PT não governou o país há tanto tempo assim. Não estamos falando da travessia do Rubicão, das guerras napoleônicas. Não é preciso escavar catacumbas no Egito para entender isso.

Alguns imaginam que a história teve início anteontem, mas quem não tem como única fonte de conhecimento os memes distribuídos pela tia-avó do grupo da família há de convir que não há nem como classificar os governos de Lula e Dilma (2003-2016) como de esquerda.

De esquerda em alguns pontos, de centro-esquerda, centro, centro-direita e até direita em tantos outros. Ou diga a tia-avó quem assumiu o poder mantendo o tripé macroeconômico, reformando a Previdência ou governando com afagos a evangélicos e suas fábulas à “kit gay”.

A abertura da cela de Lula na semana passada reacendeu as falsas equivalências, como se tivéssemos vivido há poucos anos uma real ameaça de sermos invadidos por neobarbudos vindos da Sierra Maestra.

Querem algum antípoda mais ou menos plausível ao bolsonarismo? Procurem no Partido da Causa Operária ou em algo assim. O presidente está no campo da direita, com viés de extrema direita (não dá para considerar defesa da tortura, da ditadura, da lei de talião, como “direita”). Por seus governos, o petista se posiciona na centro-esquerda. Se após o tempo na prisão caminhará mais para a esquerda, o tempo dirá.

Bolsonaro e Lula lideram hoje grupos políticos com mais força no país, se rivalizam no gogó, mas não são extremos entre si. Tal tese busca inflar alguns políticos velhos e novos —por ora carentes de voto— como o centro salomônico que irá dar um basta à insânia dos radicais. Falta apenas combinar com a realidade.

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