Entrevista com Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara
'Qualquer resposta precipitada que o Parlamento der, vai ser o responsável por gerar mais instabilidade política', diz o presidente da Câmara
Mariana Haubert e Camila Turtelli | O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância “não é a única urgência do Brasil” e defendeu cautela na análise do assunto pelo Congresso.
“Qualquer resposta precipitada que o Parlamento der, vai ser o responsável por gerar mais instabilidade política”, afirmou o deputado, em entrevista exclusiva ao Estado.
Mesmo assim, Maia admitiu liberar o avanço do tema na Câmara porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, transferiu parte da responsabilidade da Corte para o Legislativo.
“Ele não terminou o julgamento quando ele diz 'o Congresso pode mudar'", disse. “É óbvio que, se ele não entende isso como uma afronta à regra da harmonia, não sou eu que vou dizer que esse tema não poderá ser debatido na Câmara”.
Maia avaliou o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após deixar a prisão, como "muito raivoso" e saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro. "Essa crise não foi inventada.
Vivemos dois anos de recessão com a Dilma", avaliou, em uma referência à presidente cassada, Dilma Rousseff.
Antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal, o sr. disse que a PEC da segunda instância poderia ser uma afronta à decisão da Corte. Depois, afirmou que poderia pautá-la. O sr. é contra ou a favor a aprovação dessa proposta?
São coisas diferentes. Não sabíamos como o STF ia julgar. O que tramita na Câmara é uma proposta de emenda (PEC) que muda o artigo 5º da Constituição, que é flagrantemente inconstitucional, porque é cláusula pétrea. Ninguém está discutindo isso. Nem aqueles ministros que votaram pela segunda instância acham plausível que uma mudança no artigo 5º, inciso 57, possa ser feita. Eu esperava que o resultado do julgamento pudesse cercar a questão e deixar claro que isso não era possível de ser modificado. Mas o Supremo se ateve ao artigo 283 (do Código de Processo Penal) e, no final, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de alguma forma transferiu a responsabilidade do julgamento dele. Ele não terminou o julgamento quando diz “o Congresso pode mudar”.
Foi, então, a fala do ministro Toffoli que deu essa liberdade para o sr. aceitar o avanço da PEC na Câmara?
Na hora que o presidente do STF compreende que o julgamento não acaba na decisão do Supremo e transfere para o Legislativo... É óbvio que, se ele não entende isso como uma afronta à regra da harmonia, não sou eu que vou dizer que esse tema não poderá ser debatido na Câmara. Mas, por lei eu sempre achei inconstitucional. Por PEC, tem de ser algo que respeite o que é cláusula pétrea na Constituição. Se (a proposta) for aprovada modificando o artigo 5º, vamos manter a instabilidade política. Se queremos dar uma solução definitiva para a 2ª instância, precisamos pensar em alguma mudança constitucional.
Qual seria a solução?
Há pessoas que acham que é mexer na interpretação do que é o trânsito em julgado. Uma outra tese é que poderia se mexer no recurso especial. Para gente seria muito fácil votar o artigo 5º, com urgência. E aí vai para o Supremo o quê? Uma matéria flagrantemente inconstitucional e vamos estar apenas empurrando apenas o problema para o STF.
Deputados anunciaram que vão obstruir outras votações até que a PEC da segunda instância seja votada. Isso pode atrapalhar o andamento das propostas econômicas?
Obstruir tudo é um erro. O Brasil não tem apenas a distorção na morosidade do Judiciário. O saneamento público está pronto para ir ao plenário. Vamos deixar de votar? Qualquer resposta precipitada que o Parlamento der, vai ser o responsável por gerar mais instabilidade política. Não podemos de forma nenhuma achar que essa é a única urgência que o Brasil tem. É uma das. O trabalho da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) é melhorar o texto. Falei já isso para o presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR): ‘Acho que vocês deveriam melhorar, buscar outro caminho, outro artigo da Constituição, para que não se faça apenas um movimento político pragmático’.
Como deve ficar o pacote do ministro da Justiça, Sérgio Moro?
O que ele tratou de segunda instância por lei ficou claramente inconstitucional. Todo resto basicamente ele melhora, mas não resolve. O que vai resolver é a gente ter uma consciência de que precisa uma solução definitiva. Da mesma forma que a frase final do presidente Toffoli estendeu o julgamento para o Parlamento, o Parlamento não deve estender a votação para o Judiciário. Isso só vai gerar insegurança e isso só atrapalha a possibilidade de o País voltar a crescer.
A pressão em torno desse tema pode atrapalhar o andamento de outras pautas, como a reforma tributária?
Não vai ser um debate simples. Vai ter conflito em um momento em que o Parlamento está vivendo momento de muita tranquilidade na relação entre os partidos de direita, esquerda e de centro, mas foi um desafio que foi colocado. Até hoje era um momento de tranquilidade, excluindo alguma polaridade entre PSL e PT. É o melhor momento da Câmara, com certeza, desde que eu sou presidente.
O que o sr. achou do discurso do ex-presidente Lula de sábado, com os ataques ao presidente Jair Bolsonaro?
Foi um discurso muito raivoso, ruim. Ele é um ex-presidente da República, o presidente Bolsonaro não tem culpa pelos problemas que o Lula vive. É um discurso já politizando eleitoralmente e é ruim. O que mais me impactou é quando ele fala que nós não temos que nos defender, citando o Chile, (dizendo) ‘temos de atacar’. O Brasil já tem muitos problemas para ouvir um discurso desses. Algumas pessoas ficaram preocupadas com a virulência do discurso e vão aguardar as próximas semanas. Como também são os primeiros dias, é aguardar e ver qual vai ser a ação dele nos próximos, para ver se vai ser em um caminho de inviabilizar, de atrapalhar o governo.
O sr. disse não acreditar que o Supremo tornaria Lula elegível. Com o novo entendimento do STF sobre segunda instância e a soltura do ex-presidente, acha que esse será o próximo passo?
Acho que não. Não gosto de ficar falando sobre essas coisas, não gosto de personalizar. Não gosto de que seja "Lula Livre", "Lula Preso". Nesse caso do Lula é quase um Flamengo x Corinthians. Então, nós que estamos aqui olhando o jogo, temos que ter cuidado para não deixar que as torcidas gerem conflitos ainda maiores do que já aconteceu nos últimos anos.
O senador Humberto Costa (PT-PE) disse, em entrevista ao Estado, que a esquerda e o centro deveriam se unir já em 2020 para evitar um avanço da extrema-direita. O sr. concorda?
Eu concordo em dialogar com todos que tenham convergência com a agenda que eu considero vital para o Brasil. Infelizmente, o PT não considera a agenda das reformas, pelo menos até o momento, pelo resultado da Previdência. Mas acho que na reforma tributária vamos ter convergência. Mas é difícil pensar um projeto da esquerda com o centro, na verdade, a centro-direita. Acho que o centro e a centro-direita é que têm de procurar um projeto. Um projeto que não seja dos extremos. É mais fácil construir com a centro-esquerda, mais fácil ter convergência com o PDT do que com o PT. Não me parece possível que eu consiga estar com o PT no Rio, São Paulo ou Salvador.
Então é impossível um diálogo do DEM com o PT em 2022?
É. Com o Lula não é possível. O DEM não tem condição. Fomos oposição ao governo do PT, respeitamos o partido, só não temos condição de apoiar o candidato à Presidência. Mas já estivemos com o PT em algumas eleições pontuais.
O sr. começa a vislumbrar um caminho para concorrer à Presidência da República?
Quero participar de um projeto em 2022. Não tenho a pretensão de achar que meu nome é majoritário no Brasil hoje. Meu nome melhorou muito. Eu tinha 8% de ótimo e bom no Datafolha e no último, tive 25%. É um número considerável, um ator relevante e posso ajudar. Agora, acho que está muito longe para eu falar ainda que sou candidato a alguma coisa. Em 2018, ninguém me queria como vice, hoje muitos me querem. Daqui a pouco vou dizer para todos que me querem como vice que me apoiem e eu sou o candidato (risos). Mas acho que está longe.
Existe de fato uma articulação para se aprovar a reeleição do presidente da Câmara? O sr. apoia?
Não. Essas coisas de você mudar a Constituição para se manter no poder é muito perigosa. Eu não penso e não articulo e não tenho pretensão. Chega um momento em que é preciso respeitar um ciclo.
Recentemente o sr. comparou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno, ao escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. O sr. está decepcionado com ele? (Ao comentar declaração do deputado Eduardo Bolsonaro sobre um "novo AI-5", Heleno disse ao 'Estado' que 'se ele falou, tem de estudar como fazer')
Sou um grande admirador dele. Ele me mandou uma mensagem depois da minha crítica. Eu disse “Ministro, te peço desculpas, mas eu não tinha como. Para mim, o senhor acabou cometendo um erro, que é primário na política, e que eu aprendi com meu pai, logo com 26 anos, que não se usa ironia na política e a primeira resposta do senhor para mim foi uma ironia. Mas passou para a sociedade como se fosse uma coisa possível e, depois, o senhor ainda falou aquela coisa de que ninguém quer mudar nada, que não querem votar o projeto do Moro. Quase que eu falei que estou tendo de votar aqui, com essa pressão toda, o projeto das Forças Armadas, (então) o senhor pode querer que eu coloque isso para o último da fila e coloque do Moro para frente”. Nossa expectativa sempre foi de que ele conseguisse cumprir um papel de apoio ao presidente. Acho que essa entrevista (ao Estado) foi ruim, a ida à manifestação foi péssima. Quanto mais pontes o governo construir, mais forte vai ficar.
Após o deputado Eduardo Bolsonaro defender ‘um novo AI-5’ o sr. divulgou nota dizendo que a Constituição tinha instrumentos para punir quem não atente aos seus princípios. Essa punição se dará no Conselho de Ética da Câmara?
Não sei, porque não sou do Conselho de Ética. Sou deputado, não sou juiz. O AI-5 é um termo muito forte para um deputado brasileiro falar. A nota precisava ser dura para mostrar a ele que temos imunidade do que falamos, mas precisamos ter limite em relação ao que juramos que é a Constituição. Um País sem respeito a suas instituições democráticas vai caminhar para onde caminhou a Venezuela, que sei que não é o que Eduardo pensa. O tema é duro e para mim, pessoalmente, é muito pesado. Meu pai foi preso, torturado e exilado. A anistia foi pra todos e esse assunto tem de estar na nossa história para não cometermos os mesmos erros. O mais importante depois foi ele ter compreendido e ter pedidos desculpas. Da minha parte sim, foi o suficiente e espero que da parte do Conselho de Ética também, mas eu não estou no colegiado.
Presidente, em algumas situações neste ano, como na aprovação da reforma da Previdência, o sr. não escondeu lágrimas. Na semana passada, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), chorou na tribuna e foi criticada por colegas por supostamente ter demonstrado fraqueza. Há políticos que veem esse choro como demagogia para atrair apoio. Como o sr responde? O sr se considera um chorão?
Você nunca me viu chorar quando estou em conflito, fazendo uma disputa de um tema com muita agressividade. Só me viu chorar em momentos positivos da minha vida. Sou assim. Momentos como aquele da Previdência são históricos e geram emoção. É meu jeito de ser. Sempre fui assim, desde criança. Não vou esconder e ficar tomando calmante para não chorar. Uns que tratam isso como demagogia porque são machistas e acham que homem não chora, o que é algo meio ridículo. Entendo porque a Joice chorou. Ela não estava acostumada com aquilo vindo de pessoas que eram suas aliadas e é muito chocante e impactante. Principalmente para uma mulher, uma coisa machista. Uma coisa grosseira.
O escritor Yuval Harari esteve na Câmara e criticou o movimento de "políticos autênticos", que imediatamente dizem as coisas que vêm à cabeça. Foi um recado para a classe política brasileira?
Não acho que ele veio ao Brasil para falar para grupo A ou grupo B. Ele veio falar sobre o que está compreendendo, o que vai ser esse mundo. Ele fala que quem vai comandar a política é quem vai comandar o fluxo de dados. Se os governos controlarem os dados, corre-se o risco de se ter quase ditaduras. Esse é um debate que vai ter de se fazer no Parlamento com muita transparência e participação de todos. As plataformas digitais têm ojeriza a esse debate, sobre até onde vai a responsabilidade delas.
Existe algum projeto no Congresso sobre isso?
Temos a CPI Mista das Fake News, que deveria olhar muito mais para isso do que para o passado, sem querer contestar resultado eleitoral porque isso é uma besteira. A eleição foi legítima. (Devemos) ver o que está acontecendo no mundo e ver o que os outros Parlamentos estão pensando. Devemos ter um projeto e tentar discutir isso na CPI. Vai ter polêmica.
Mas o sr. acha que a CPI vai conseguir ter algum resultado prático?
Acho que deve olhar menos a eleição de 2018 e mais a preocupação com o futuro, exatamente nessa questão dos dados. Foi um erro do ex-presidente Michel Temer (MDB) ter encaminhado a Agência de Dados vinculada ao governo. É óbvio que não pode ser vinculado. Porque dados é o que vai mover a política. Também não poderia ficar na mão de uma empresa privada. Uma alternativa é uma agência de Estado, e não de governo. Tem de se pensar em um formato.
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