- Folha de S. Paulo
Pacote do governo cria regras sobre quem vai pagar o ônus das crises fiscais futuras: não são os mais ricos
O pacote de Paulo Guedes apresentado ao Senado na semana passada regulamenta a contabilidade do Estado e cria mecanismos automáticos de contenção de despesas que seriam acionados em caso de desequilíbrio fiscal.
Eles estabelecem de maneira definitiva quem vai pagar a conta das crises futuras: por um lado, empresas beneficiadas com desonerações, por outro, trabalhadores do setor público, trabalhadores que ganham salário mínimo e serviços públicos de saúde e educação.
As novas regras incluem as despesas com os inativos no cálculo do mínimo constitucional que deve ser aplicado em saúde e educação, reduzindo, na prática, os investimentos nessas áreas; além disso, o mecanismo que autoriza a redução da jornada e, consequentemente, a redução dos salários do setor público poupa a elite do funcionalismo, como magistrados, ministério público e diplomatas; por fim, o mecanismo automático congela o valor do salário mínimo, afetando a renda de milhões de trabalhadores.
O pacote inclui também uma mudança no artigo 6º da Constituição Federal que subordina a garantia de direitos sociais ao equilíbrio fiscal. Cria assim um conjunto de medidas que determina quem vai ser prejudicado nos momentos de crise.
A oposição deve atacar as medidas mais abertamente antissociais do pacote, mas, se seguir a estratégia utilizada na tramitação da reforma da Previdência, vai adotar uma postura mais negativa e denuncista do que propositiva.
Vai ser uma pena.
Não é suficiente atacar as medidas do governo e ser tachada pela situação e pela imprensa predominantemente liberal de irresponsável, inepta e defensora de princípios insustentáveis.
Temos a oportunidade de introduzir no debate sobre sustentabilidade fiscal soluções que passem o ônus da crise para quem ganha e para quem tem mais, com tributos progressivos sobre a renda e a propriedade. Ao invés de reduzir despesas sociais, aumentar a arrecadação sobre os mais ricos.
A proposição de um substitutivo bem desenhado, com um gatilho que dispare tributos progressivos, bem amparados na experiência internacional e embasados em estudos de seu impacto orçamentário, poderia tirar a oposição do incômodo papel de antagonista sem proposta.
Ainda que no contexto atual as chances de sucesso de um substitutivo como esse sejam remotas, uma campanha bem desenhada poderia mobilizar uma parcela da opinião pública para além dos círculos de esquerda e poderia também apontar para um projeto de futuro num momento em que ficamos apenas lamentando o presente.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia
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