quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Ascânio Seleme - Os discursos do Lula

- O Globo

Ao sair da cadeia, na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pronunciou dois discursos. Um no acampamento petista em frente à sede da PF, em Curitiba, e outro no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Separei alguns trechos que mostram como funciona o raciocínio de Lula quando a verdade não é a questão mais importante. Acrescentei breves comentários.

Um. “Preciso resistir à canalhice que o lado podre do Estado brasileiro fez comigo e com a sociedade brasileira” — Frase repetida nos dois discursos, pouco antes ou pouco depois de dizer, nos dois momentos, que “aos 74 anos não tenho o direito de ter ódio no meu coração”. Lula também quis confundir a sua figura com a da sociedade brasileira.

Dois. “Quero cumprimentar nosso quase presidente, se não fosse roubado, Fernando Haddad” —Difícil dizer de onde ele tirou isso. Ele falou a frase em Curitiba. No discurso de São Bernardo disse o seguinte: “Esse cidadão (Bolsonaro) foi eleito. Democraticamente nós aceitamos o resultado da eleição”.

Três. “Quero cumprimentar os advogados e também os tesoureiros do PT, Emílio de Souza, futuro prefeito de Osasco. Quero cumprimentar o companheiro Lindbergh, nosso exsenador e, quem sabe, nosso futuro não sei o quê” — Ao mencionar os tesoureiros, citou apenas um e esqueceu os três ou quatro que foram presos. Sobre o futuro de Lindbergh, é difícil entender o que Lula quis dizer.

Quatro. “Eu quero lutar para provar que existe uma quadrilha, um bando de mafiosos no país, e essa maracutaia que fizeram para tentar, liderados pela Rede Globo, criar a imagem de que o PT precisava ser criminalizado e o Lula era bandido” — Não foi a Globo que reuniu em quadrilha um grupo de partidos amigos para assaltar a Petrobras e outras empresas públicas.

Cinco. “Eu poderia ter ido a uma embaixada, eu poderia ter ido a um outro país, mas eu tomei a decisão de ir lá (se entregar à PF) —Lula disse isso no discurso de São Bernardo do Campo, deixando claro que poderia ter fugido e que chegou a cogitar a possibilidade, mas afinal decidiu se entregar.

Seis. “O Dallagnol montou uma quadrilha com a força-tarefa da Lava-Jato, inclusive para roubar dinheiro da Petrobras e das empreiteiras” — Fala sério. Quem roubou dinheiro, muito dinheiro, da Petrobras, todos sabem, Lula também, não foi o Dallagnol. E roubar dinheiro das empreiteiras… de onde ele tirou isso?

Sete. “Quando eles (MP e PF) foram às 6h na casa da Dilma, a Rede Globo já estava lá, desde as 5h30 da manhã, porque é puro show” — Normalmente, as operações da PF são comunicadas na véspera para jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, com embargo. Diversos veículos estavam lá. Não se tratou de show, mas de transparente cobertura jornalística.

Oito. “Ele (Bolsonaro) tem que explicar como é que construiu um patrimônio de 17 casas. Eu fui deputado, eu fui presidente, e se me virarem com a bunda para baixo não vai cair uma moeda do meu bolso” —Será que as pessoas acreditam mesmo nessa declaração? Só se levarem em conta que o patrimônio do Lula foi congelado pela Justiça para futuro ressarcimento aos cofres públicos.

Nove. “Eu sou hoje um cara que não tem emprego, presidente (que) não tem aposentadoria, não tenho televisão no meu apartamento. Minha vida tá toda bloqueada” —De certa forma, esta frase, dita um um pouco antes no mesmo discurso de São Bernardo, explica a anterior. Agora, francamente, Lula não tem um aparelho de TV em casa?

Dez. “Não é possível que a gente viva nesse país vendo cada dia os ricos ficarem mais ricos e os pobres ficarem mais pobres” — A distribuição de renda é um dos grandes problemas do país, Lula tem razão. Mas ele não lembrou no discurso que os ricos ficaram muito mais ricos no seu governo, sobretudo os banqueiros.

Onze. “Fui obrigado (na cadeia) a ver a televisão aberta. A TV do Silvio Santos é uma vergonha. A Record tá uma vergonha, e a Globo continua a mesma vergonha. A Globo até agora não colocou uma matéria da Intercept denunciando a Lava-Jato” — Não gostar das TVs é prerrogativa do telespectador, mas mentir sobre publicação de reportagens a que o Brasil inteiro assistiu é constrangedor.

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