quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Bernardo Mello Franco - A política do balde de tinta

- O Globo

João Doria mandou pintar as escolas paulistas com as cores de seu partido. Na era das redes sociais, os políticos ainda usam baldes de tinta para fazer campanha com dinheiro público

No início dos anos 90, o velho Maracanã levou um banho de tinta. A parte externa do estádio foi pintada de azul, vermelho e branco. Eram as cores do PDT, partido do então governador Leonel Brizola. Na gestão seguinte, o vermelho sumiu, e as cadeiras inferiores ganharam tons azuis e amarelos. Eram as cores do PSDB, partido de Marcello Alencar.

Em 2004, o prefeito Cesar Maia percebeu que a Comlurb era o órgão municipal mais admirado pelos cariocas. De repente, o laranja usado pelos garis passou a enfeitar placas, quiosques e até uniformes escolares. Meses depois, Cesar disputou a reeleição. Numa curiosa coincidência, o laranja dominou todas as suas peças de campanha.

Há seis meses, o governador de São Paulo, João Doria, mandou tingir mais de duas mil escolas de azul e amarelo. O tucano mal entrou no Palácio dos Bandeirantes e já quer se mudar para o Planalto. A imagem de criancinhas felizes entrando em colégios com as cores de seu partido cairia como uma luva na campanha presidencial.

A Justiça notou o truque. O juiz Emílio Migliano Neto acolheu um pedido da oposição e suspendeu a pintura das escolas com a identidade visual do PSDB. Em decisão publicada na última quinta-feira, ele afirma que o governo paulista violou os princípios da moralidade e da impessoalidade.

O juiz também proibiu a gestão Doria de comprar “tintas de marcas específicas sem a realização de processo licitatório”. O tucano queria torrar R$ 1,1 bilhão na pintura das fachadas. Tudo para transformar as escolas estaduais em outdoors partidários.

Na era das redes sociais, os políticos continuam a usar baldes de tinta para se promover com dinheiro público. É um traço do patrimonialismo brasileiro, como a nomeação de parentes e o uso indevido de aviões, helicópteros e carros oficiais.

Não há nada mais velho do que tratar a coisa pública como propriedade privada. A prática é suprapartidária. Une dinossauros de Brasília a novatos eleitos com o discurso da renovação.

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