quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Diplomacia da camaradagem – Editorial | O Estado de S. Paulo

Quase todas as decisões adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro na condução da política externa deram em nada ou impuseram severos prejuízos, sejam os de ordem econômica, sejam os danos à imagem do Brasil no exterior.

O fiasco da diplomacia brasileira observado neste ano era totalmente previsível porque o presidente da República erra no básico e não emite qualquer sinal de que está disposto a aprender com seus erros. Jair Bolsonaro crê que a relação entre as nações se estabelece por meio da afinidade pessoal e ideológica entre chefes de Estado, e não pela concertação dos interesses em jogo em uma complexa trama comercial e geopolítica. Ou seja, o presidente Bolsonaro trata o que é um mero facilitador na aproximação entre lideranças internacionais como princípio orientador de suas ações.

A opção pelo alinhamento praticamente automático ao presidente norte-americano, Donald Trump, parece ser a linha mestra da política externa do governo Bolsonaro. Na visão do presidente, isso implicaria resultados que nenhum outro governo antes dele conseguiu produzir, como o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a abertura do comércio entre os dois países. De fato, Donald Trump apoiou a entrada do Brasil no chamado “clube dos ricos”, mas tratou-se de um apoio vago, sem a definição de prazo ou condições para que o pleito do País fosse de fato analisado. Na verdade, Trump optou por dar preferência aos interesses argentinos no âmbito da OCDE, em detrimento dos brasileiros.

Quanto ao comércio entre Brasil e Estados Unidos, a “proximidade” que haveria entre Bolsonaro e seu contraparte norte-americano também não parece estar ajudando. A carne bovina brasileira continua sob embargo e, em novo revés imposto ao País, Donald Trump decidiu retomar a aplicação de tarifas sobre o aço e o alumínio provenientes do Brasil e da Argentina, sob a alegação de que os dois países estariam praticando uma “deliberada desvalorização de suas moedas a fim de prejudicar as empresas e os trabalhadores dos Estados Unidos”. Sem atinar para a dimensão do problema, Jair Bolsonaro está disposto a resolver a crise com um telefonema. “Se for o caso, falo com Trump, tenho canal aberto”, disse o presidente.

Bolsonaro também tem trabalhado duro para minar a posição de liderança do Brasil na América Latina. Evidente que as dimensões do País, de sua população e a pujança da economia brasileira são os fatores que pesam, e muito, na relação com os vizinhos. Mas o País teria muito mais a ganhar caso Jair Bolsonaro pusesse os interesses do Estado acima de suas predileções. Na Argentina, por exemplo, o presidente brasileiro manifestou apoio à reeleição de Mauricio Macri, que foi derrotado pelo peronista Alberto Fernández. A relação entre Bolsonaro e Fernández já começou estremecida, a bem da verdade por erros que foram cometidos em ambos os lados da fronteira.

No Uruguai, o presidente Jair Bolsonaro apostou na vitória de Luiz Lacalle Pou, que saiu vitorioso do pleito, mas não sem antes recusar o apoio do presidente brasileiro, tido como “tóxico” em razão de suas posições extremadas.

O ano diplomático também foi marcado pelo amplo apoio dado pelo presidente Jair Bolsonaro à recondução do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, outro líder internacional de quem o presidente brasileiro se julga próximo. Jair Bolsonaro chegou a prometer a mudança do local da embaixada do Brasil em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, o que traria sérios abalos na relação comercial entre o País e as nações árabes.

A nota positiva na condução da diplomacia brasileira neste ano foi a recente mudança da visão do presidente Bolsonaro em relação à China, cedendo ao pragmatismo. Já não era sem tempo o despertar, dada a vibrante relação comercial com nosso principal parceiro.

A afinidade pessoal entre chefes de Estado ajuda muito na fluidez das relações entre as nações. Entretanto, este jamais deve ser o fio condutor da política externa de um país. Os riscos de uma “diplomacia da camaradagem” são muito maiores do que os eventuais benefícios que a proximidade entre os líderes, seja real ou imaginária, pode trazer.

Guinada e colisão – Editorial | Folha de S. Paulo

Política externa ideológica só não gera mais danos devido a resistências de fora

“Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos.”

A sentença foi lida por Jair Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento formal após ser eleito presidente, no dia 28 de outubro de 2018. Pouco mais de um ano depois, o Itamaraty está mais do que nunca atado a visões ideológicas.

A ruptura com o antiamericanismo mais pueril dos anos petistas começara já na gestão de Dilma Rousseff e se acentuara sob Michel Temer (MDB). Bolsonaro exacerbou o processo —jogando fora tanto esquerdismos quanto uma desejável isonomia diplomática.

À primeira vista, as sandices antiglobalistas da trupe que assumiu as relações exteriores, formada por discípulos do escritor Olavo de Carvalho, poderiam parecer mera retórica, sem impacto concreto.

Entretanto foi do órgão comandado por dentro pelo chanceler Ernesto Araújo e por fora pelo deputado e filho 03 Eduardo Bolsonaro, com palpites do assessor Filipe Martins, que partiram algumas das crises mais palpáveis do ano.

O presidente expressou seu desejo de alinhar-se tão automaticamente quanto possível às políticas do americano Donald Trump, seu modelo declarado de governante.

Disso saiu um sem-número de concessões e frustrações: a vaga que não veio na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a isenção unilateral de visto de entrada para cidadãos dos EUA, a permanência do veto americano à carne brasileira, o apoio ao embargo a Cuba.

A fechar o ano, a ameaça —não cumprida, ao menos até aqui— de taxação das compras de aço e alumínio do país por Trump.

Até a estabanada —e frustrada— tentativa de elevar o neófito Eduardo Bolsonaro à condição de embaixador em Washington foi calcada numa suposta proximidade pessoal das famílias presidenciais.

Por óbvio, contém manter boas relações com a maior potência econômica e militar do mundo. Daí à genuflexão há distância, contudo.

Na América Latina, Brasília afastou-se do papel de líder natural. Depois de intrometer-se na eleição presidencial argentina, Bolsonaro antagonizou-se com o maior parceiro local porque saiu vitoriosa uma candidatura à esquerda.

Quanto à arruinada Venezuela, a influência americana quase gerou um desastre no começo do ano, quando o governo flertou com a ideia de intervenção contra a ditadura de Nicolás Maduro. O despautério acabou devidamente abortado pela cúpula militar.

De modo semelhante, a pasta da Agricultura conseguiu impedir que fosse levada a cabo outra intenção desastrosa —a prometida mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

A medida agradaria ao aliado Binyamin Netanyahu e a Trump, mas sobretudo o eleitorado evangélico que encara a consolidação do Estado judeu como um preâmbulo para a volta de Cristo.

O custo de tais benefícios nebulosos seria a indisposição com os países árabes, que veem Jerusalém como capital da Palestina —e são compradores de fatia expressiva de proteína animal brasileira.

O caso, de todo modo, permanece inconcluso. Na abertura do escritório comercial brasileiro na cidade, poucos dias atrás, reiterou-se o intento de mudar a embaixada.

Mesmo o único sucesso incontestável da presente gestão no setor externo —a assinatura em junho do acordo Mercosul-União Europeia— encontra-se sob risco, em particular devido à péssima imagem da política ambiental.

O acerto ainda precisa da ratificação de todos os países envolvidos, e poucos temas são tão sensíveis na Europa quanto a crise climática. Bolsonaro, ademais, expôs-se a esnobar a embaixador francês e insultar a mulher do presidente Emmanuel Macron enquanto ardia a crise dos incêndios da Amazônia.

Também nesse caso, atores mais racionais da área econômica e até do Legislativo intervieram para tentar reconstruir pontes.

Ao menos em relação à China, a vocação errática da política externa proporcionou avanços. Das diatribes de campanha eleitoral, quando o hoje presidente dizia que a ditadura comunista estava “comprando o Brasil”, evoluiu-se para a aposta em alianças comerciais com o gigante asiático.

No giro internacional de outubro, que incluiu China, Japão e nações do Golfo Pérsico, o pragmatismo se impôs, e o país tem se beneficiado da constante presença chinesa em leilões de infraestrutura.

Trata-se de algum alento. Se temos de conviver com o besteirol ideológico dos condutores da área externa, que a interposição da realidade pelas circunstâncias e por agentes externos possa evitar erros maiores e abrir oportunidades.

Sinais de agravamento da intolerância – Editorial | O Globo

Instituições precisam ser firmes diante de números que indicam que o radicalismo se estende à fé

O samba-enredo da Acadêmicos do Grande Rio para 2020 — sobre o pai de santo Joãozinho da Gomeia — tem versos aos quais as autoridades, a despeito da descontração do carnaval, deveriam prestar atenção: “Pelo amor de Deus/ Pelo amor que há na fé/ Eu respeito o seu amém/ Você respeita o meu axé”. Enredos sobre religiões de matriz africana são comuns, mas não se tem notícia de registrarem de forma tão clara os conflitos com evangélicos como desta vez. A regra sempre foi louvar os orixás, sem necessidade de mandar recados ou reagir a ataques, referindo-se eventualmente ao catolicismo, mas no contexto do sincretismo com o candomblé e a umbanda.

É um sinal dos tempos, pois indica que o país já não é mais tão sincrético assim. Pelo contrário, a convivência entre diferentes credos é cada vez mais difícil. A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa recebeu em torno de 200 denúncias este ano no Estado do Rio até aqui, mais do que o dobro de 2018. Até setembro, 176 terreiros fecharam após ataques de fanáticos ou ameaças de traficantes, surpreendentemente aliados a evangélicos em favelas.

E, na madrugada de 24 de dezembro, mais uma amostra de que é preciso combater o radicalismo: a produtora responsável pela criação dos vídeos do Porta dos Fundos, no Rio, foi alvo de ataque com dois coquetéis-molotovs. Religiosos estão em campanha contra o especial de Natal do grupo, sátira com insinuação de que Jesus era gay.

Os números do Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, revelam que a intolerância se agrava em todo o país. Os dados disponíveis vão até junho de 2019, mas em todos os meses houve um aumento do número de denúncias de discriminação religiosa em relação a 2018: janeiro (38 em 2018, 68 em 2019); fevereiro (de 25 para 57); março (de 28 para 56); abril (de 32 para 59); maio (de 42 para 62) e junho (de 46 para 52).

Os ataques crescentes a religiões de matriz africana e à produtora do Porta dos Fundos não permitem mais se basear na ideia de que a convivência entre credos distintos é facilitada pela formação do povo. Saem de cena a miscigenação e a intimidade entre a casa-grande e a senzala — que resultaram em mecanismos de acomodação como o sincretismo — para dar lugar a uma intolerância preocupante.

À divisão política cada vez mais corresponde uma divisão religiosa, levando ao terreno da fé o jogo de “nós contra eles”. Fiéis se agrupam em torno de legendas, como na mobilização de evangélicos para coletar assinaturas a favor da formação do partido do presidente Bolsonaro. Exercem assim seu inegociável direito de aderir a políticos afinados com suas convicções. Mas que as instituições zelem para que manifestações de crença — associadas ou não à política — se mantenham nos limites da civilidade e do respeito à diferença.

Investigações no Rio deixam Bolsonaro muito irritado – Editorial | Valor Econômico

A melhora da economia vai contar pontos positivos, que podem não ser suficientes para compensar a deterioração das avaliações sobre saúde, educação e luta anticorrupção

O presidente Jair Bolsonaro termina o ano à beira de um colapso nervoso. O Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou um volumoso relatório com indícios de participação do senador Flávio Bolsonaro no esquema de “rachadinha” - apropriação de parte dos salários de funcionários que nomeou - e lavagem de dinheiro quando era deputado estadual no Rio. Na primeira vez que abordou o assunto, o presidente disse que eram “pequenos problemas” e que nada tinha a ver com eles. Na sexta, diante do mesmo tema, Bolsonaro despejou uma coleção de insultos sobre os jornalistas - ofendeu a mãe de um e chamou outro de homossexual - indo além do próprio baixo padrão de tratamento que criou até perto do completo desequilíbrio.

Desde que foi ocupar o Palácio do Planalto, o presidente empodera e protege seu clã familiar. Em mais de uma ocasião, o presidente deixou claro que a palavra dos filhos vale mais a de que a do governo inteiro. Bolsonaro, porém, ultrapassa limites que seria conveniente respeitar.

Na sexta passada, ele atacou as instituições que cumprem a lei e fazem seu trabalho pelo simples fato de que o investigado é seu filho. Flávio primeiro, e seu pai depois, atacaram o juiz Flávio Nicolau, da 27ª Vara, que autorizou a operação de busca e apreensão em endereços ligados ao filho e assessores. Ambos levantaram suspeitas em relação à filha do juiz, Nathalia Nicolau, que trabalha no governo de Wilson Witzel. Por fim, Bolsonaro disse que Witzel é o artífice de uma armadilha cujo alvo principal é o presidente da República. Bolsonaro diz ter informações de que marginais estariam sendo instados a mencionar o presidente de forma comprometedora nas investigações. Se existem gravações, não apareceram.

As coisas seriam mais fáceis para Bolsonaro, e mais republicanas, se ele não tentasse desmoralizar o trabalho do MP e da Justiça a priori, sem sequer saber ao certo quais as provas que podem incriminar o primogênito. Além disso, há personagens na história que podem trazer dor de cabeça à família. Fabricio Queiroz é amigo de longa data de Jair Bolsonaro, participava das rachadinhas e tinha relações conhecidas com milicianos, como Adriano, um chefe de quadrilha foragido e condecorado na cadeia pelo deputado Flávio. Do novelo da rachadinha desenredaram-se apartamentos vendidos com muita valorização, possível lavagem de dinheiro, e agora uma franquia de chocolates. No meio do caminho surgiram também um cheque de R$ 20 mil de Queiroz para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e suspeitas fortes sobre a ex-mulher do presidente, Ana Valle e 9 parentes seus, lotados no gabinete de Flávio no Rio, mas que “trabalhavam” em Resende.

No sábado, para amenizar a péssima impressão de seus chiliques, o presidente conversou serenamente com os jornalistas e disse: “Se eu não tiver a cabeça no lugar, eu alopro”. A história de milicianos, rachadinhas e funcionários fantasmas rondam Bolsonaro há muito. Há riscos de contágio para a popularidade do presidente, que continua a cair, apenas com mais vagar.

O estilo de Bolsonaro levou 56% dos entrevistados da pesquisa CNI/Ibope a dizer que não confiam no presidente, 53% a desaprovar sua forma de governar e a 38% qualificar seu governo de ruim e péssimo, alta modesta, porém perceptível. Na pesquisa do Datafolha, de 8 de dezembro, o presidente Bolsonaro estacionou em 30% de ótimo/bom e, nos detalhes, percebe-se que a melhora da economia foi um dos pontos que mais contribuiu a suavizar a perda de prestígio.

Mas no núcleo de suas bandeiras de campanha as coisas não vão bem e podem piorar com o desenrolar de investigações sobre o filho. A história da “nova política” não durou um mês, mesmo sabendo-se que Bolsonaro é veterano de três décadas, empregou funcionária fantasma em Angra dos Reis e empurrou todos seus filhos para a política. A implosão do PSL, com a ajuda dos filhos, exibiu espetáculos de oportunismo, em busca de milhões do fundo eleitoral, que nada tem a ver com a ideologia. O PSL é fruto da “velha política” e nunca deixou de sê-lo.

No Datafolha, a taxa de aprovação quanto ao combate à corrupção caiu de 34% para 29%. Educação e meio ambiente, com ministros fanáticos bolsonaristas, foram consideradas ótimas ou boas por apenas 23% e 21%. A melhora da economia vai contar pontos positivos, que podem não ser suficientes para compensar muito a deterioração das avaliações sobre saúde, educação e, vital para Bolsonaro, segurança e luta anticorrupção, suas promessas centrais.

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