- O Estado de S.Paulo
Precisamos alcançar, nos termos da Constituição, caminhos para enfrentar crises conjunturais
Os recorrentes embates entre o Executivo e o Congresso representam uma generosa fonte de incentivos para a reflexão sobre a mudança do sistema de governo em nosso país. Os exemplos desses embates são numerosos e não estão circunscritos aos mandatos atuais.
Tudo começa com a falta de entendimento entre o Executivo e os parlamentares que apresentam proposições para a solução de problemas nas mais diferentes áreas, que acabam sendo atropeladas por recursos que o governo utiliza heterodoxamente com o propósito de formar maioria. É esta maioria que lhe permite dar curso a seus projetos ou amenizar a fiscalização que poderia e deveria sofrer.
Nesse contexto, as saídas propostas pela sociedade (impeachment, por exemplo) para contornar as ondas de perda de credibilidade que recaem sobre o presidente tendem a transformar o nosso sistema de governo num verdadeiro presidencialismo de colisão. Penalizando o País, como trava ao nosso desenvolvimento.
Para a opinião pública, passamos a impressão de que nos dedicamos mais a aparar as arestas políticas do dia a dia do que a dar retorno positivo aos que depositaram em nós a confiança para resolver as dificuldades econômicas e sociais.
O parlamentarismo é uma convicção que carrego desde a época da Constituinte, partindo de um argumento fundamental: a necessidade de participação mais efetiva e responsável do Congresso na definição, implantação e controle das políticas governamentais. O presidencialismo favorece a situação oposta: a grande concentração do poder de decisão nas mãos do Executivo leva o Parlamento a sentir-se pouco comprometido, flertando constantemente com a polarização.
Há quem acredite que a nossa democracia esteja em perigo, que estamos andando no fio da navalha entre o seu enfraquecimento e o risco do autoritarismo. Não penso assim, mas acredito, não é de hoje, que o modelo presidencialista esteja desgastado e que precisamos voltar a cogitar o parlamentarismo.
Um parlamentarismo sem subterfúgios, sem meias palavras, que fortalecerá o chefe do Poder Executivo, seus ministros e o seu programa de governo.
No presidencialismo, o Parlamento se fortalece na razão direta do enfraquecimento do governo. No parlamentarismo, aumenta a chance de uma aliança política positiva Executivo/Legislativo, que proporcione um governo mais forte.
O parlamentarismo permite mudanças na equipe e no programa de governo sem traumas institucionais. Abre caminho, igualmente, para coalizões governamentais baseadas em programas, e não em puras adesões em troca de favores.
Oportuno enfatizar que uma condição essencial para o pleno funcionamento do parlamentarismo reside na possibilidade de o presidente, em face de impasses que impeçam a definição de maioria parlamentar estável, dissolver a Câmara e convocar novas eleições. O sistema favorece, a médio prazo, as condições de governabilidade no país, abaladas em momentos de crise.
O Brasil viveu, desde a promulgação da Constituição, momentos dignos de registro. Consolidamos a democracia política, que tem na Carta sua guardiã mais efetiva, e, apesar dos muitos percalços, estabelecemos as bases de uma economia fundada numa moeda consistente e sólida. Mas precisamos alcançar, nos termos constitucionais, mediante amplo entendimento político, os caminhos para o enfrentamento de crises conjunturais. Abrindo a oportunidade para um avanço que respeite a história e a cultura do povo brasileiro.
Diz-se, com frequência, que o parlamentarismo é apresentado como uma panaceia toda vez que o País passa por alguma crise política ou de governabilidade, mas que os problemas de crescimento econômico, inflação, salários, emprego, desenvolvimento e, sobretudo, de injustiça social não serão resolvidos pelo sistema de governo. A meu ver, não se trata de criar ou recriar panaceias, mas de encontrar uma forma de governo que aumente as possibilidades de os problemas nacionais serem mais bem enfrentados e equacionados.
É, também, corriqueira a crítica de que, no parlamentarismo, o fisiologismo e a cooptação exercerão de forma plena e livre sua influência negativa no processo político brasileiro. Esse é um argumento equivocado, que tem como ponto mais fraco o fato de ignorar que, num sistema parlamentarista, o Congresso passa a ser corresponsável pelas decisões do Executivo, aprovando os programas de governo e a composição do próprio gabinete. Estas atribuições constituem um poderoso fator para atenuar os vícios e reforçar as qualidades do Parlamento. Sem um Congresso forte e responsável, a democracia sempre sairá perdendo.
Arraigar-se na máxima de que no Brasil o presidencialismo é o sistema de governo que tem tradição, por ter cruzado toda a história da República, e que ao parlamentarismo falta condição semelhante é opor-se, como princípio, a todas as possibilidades de mudanças institucionais significativas, sugerindo que elas sempre conduzirão ao desconhecido. Mas esse desconhecido e os horrores que comporta não são, contudo, explicitados.
Ficar preso à ideia de que o presidencialismo é bom, mas o presidente em exercício, seja quem for, é que não é bom é imaginar que as crises políticas e econômicas às quais o Brasil está sujeito podem ser separadas do sistema de governo que as envolve.
Defendo o parlamentarismo porque acredito que é possível e necessário um Poder Executivo mais forte. Quando digo isso, evidentemente, não estou falando num Executivo repressor dos direitos individuais ou sociais, ou que tenha força para oprimir o Legislativo. Penso exclusivamente num governo com capacidade para definir e implementar políticas públicas de forma mais coerente, persistente, que tenham como resultado concreto o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. Penso na eficácia, na legitimidade e na flexibilidade do sistema de governo, num contexto democrático cada vez mais fortalecido.
* Senador (PSDB-SP)
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