Governo aposta em setembro – Editorial | O Estado de S. Paulo
Setembro deve ser o mês da virada, o retorno do País à trajetória de recuperação, segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. Os números de julho e agosto “inspiram cuidado”, mas a fase ruim deve ter acabado em agosto, disse ele em Brasília, num seminário sobre Reformas para o Crescimento. Enquanto o secretário discursava, o mercado era informado oficialmente de mais um tombo da indústria. A produção industrial caiu 0,3% de junho para julho, na terceira queda mensal consecutiva, e ficou 2,5% abaixo do nível de um ano antes. Os números da indústria em julho decepcionaram quem esperava uma reação mais forte no começo do segundo semestre. Pior que isso, deram mais um argumento a quem ainda prevê para o setor uma expansão próxima de zero em 2019. Pela última projeção do mercado, publicada pelo Banco Central (BC), a produção industrial crescerá apenas 0,08% neste ano.
A indústria produziu de janeiro a julho 1,7% menos que no período correspondente de 2018. Em 12 meses a produção foi 1,3% menor que a dos 12 meses anteriores, segundo informou na terça-feira passada o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mesmo tipo de confronto havia indicado um recuo de 0,8% no período encerrado em junho.
Perdas acumuladas em 12 meses têm sido predominantes desde julho do ano passado. A perda de vigor vem sendo observada, portanto, desde o meio de 2018, especialmente nas comparações de desempenho entre períodos anuais.
A queda mensal foi menos disseminada em julho que em maio e junho. Além disso, 15 dos 26 segmentos cobertos pela pesquisa produziram mais que no mês anterior. Este é um dos poucos detalhes positivos do relatório recém-apresentado pelo IBGE. Duas das grandes categorias perderam produção em junho: houve recuo de 0,3% em bens de capital (máquinas e equipamentos) e de 0,5% em bens intermediários. Os fabricantes de bens de consumo fabricaram 0,8% mais que no mês anterior. Mas o crescimento geral na área de bens de consumo foi nulo em 12 meses.
A produção industrial tem sido travada pelo consumo interno, ainda muito baixo, e pela demanda externa, prejudicada pelas tensões no mercado internacional e principalmente pela recessão argentina.
Sobre o comércio exterior já estão disponíveis dados de agosto, publicados na segunda-feira pelo Ministério da Economia. Em agosto, as exportações de industrializados, no valor de US$ 8,5 bilhões, foram 17,9% menores que as de um ano antes, pela média dos dias úteis. Essa perda é explicável principalmente pelas vendas externas de manufaturados, de US$ 6,2 bilhões, 25,8% inferiores às de agosto do ano passado. As exportações para a Argentina, já em queda no ano passado, continuaram caindo rapidamente.
O valor vendido em agosto para o mercado argentino ficou em modestíssimos US$ 793 milhões, valor 37,7% menor que o de um ano antes. De janeiro a agosto os embarques para lá somaram US$ 6,8 bilhões, com recuo de 39,7% em relação ao valor de um ano antes. A Argentina tem sido por muitos anos, na lista de países, o terceiro maior mercado para produtos brasileiros. Suas importações do Brasil são constituídas principalmente de bens industrializados, com grande participação de produtos do setor automobilístico.
Pelo menos um relatório mostrou sinais de melhora na atividade em agosto. Foi a pesquisa da consultoria IHS Markit com gerentes de compras da indústria. O levantamento indicou produção em alta, contratação de mão de obra e aumento de estoques de matérias-primas e bens intermediários. Mas ainda será preciso esperar semanas pelos dados do IBGE. Além disso, é difícil dizer se uma reação em agosto, depois de meses com resultados muito fracos, terá sido o início de uma recuperação com algum fôlego. Instalado há nove meses, o governo do presidente Jair Bolsonaro continua incapaz de tornar muito menos enevoado o cenário econômico deste ano e do próximo. Se a economia se mexe, é por mera reação orgânica de empresas e consumidores.
Disfarces da CPMF – Editorial | Folha de S. Paulo
Equipe de Guedes insiste em proposta que levará tumulto à reforma tributária
Em uma de suas declarações mais sensatas, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) relatou ter desencorajado sua equipe econômica de propor a ressurreição, em caráter definitivo, da famigerada CPMF. Trata-se, em suas palavras, de ”um imposto muito carimbado já”.
Desde suas origens, de fato, o tributo incidente sobre os débitos em conta corrente se mostrou um logro aos contribuintes brasileiros. Em primeiro lugar, por ter sido apresentado como um instrumento temporário, emergencial —que, na verdade, os governantes perpetuaram o quanto puderam.
O inaugural Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira foi instituído em 1993, com duração prevista até o fim do ano seguinte. Ressurgiu em 1997, com o nome de contribuição e prazo de 13 meses. A cobrança se arrastou até 2007, quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi derrotado em sua tentativa de prorrogação.
Argumento recorrente dos defensores do tributo, que agora se repete, é sua suposta insignificância para o bolso dos pagantes. “Pequenininho, não machuca”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A CPMF começou com alíquota de 0,2%, que logo seria quase duplicada, para 0,38%. O atual secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, já falou em até 0,9%, divididos entre as duas partes da transação financeira, mas as especulações mais recentes se dão em torno de metade dessa cifra.
Os engodos mais elaborados dizem respeitos às finalidades do gravame. Seria, dizia-se de início, um reforço às verbas da saúde —uma lorota repetida à exaustão mesmo depois de estabelecidas, a partir de 2000, regras para os gastos obrigatórios no setor que independiam da fonte dos recursos.
Desta vez, a ideia é apresentada como uma maneira, pasme-se, de gerar empregos. Segundo o raciocínio tortuoso, as novas receitas compensariam uma redução das contribuições previdenciárias que encarecem as contratações.
Desnecessário apontar que tal compensação poderia ser feita por meio de um imposto já existente. A obsessão por uma CPMF rebatizada, assim como o apego fervoroso de governos passados à contribuição, parece explicável, isso sim, pelo conforto na arrecadação.
A cobrança do tributo, afinal, é facílima e quase independe da competência do fisco. Em busca dessas vantagens, faz-se vista grossa para efeitos regressivos e cumulativos como o encarecimento de transações e mercadorias ao longo da cadeia produtiva.
A insistência em uma proposta tecnicamente precária e politicamente explosiva só leva tumulto ao já complexo debate em torno da reforma tributária, urgente para o país. Não existe suposta benesse, finalidade ou atenuante capaz de disfarçar esse fato.
Justiça ainda corre atrás das próprias metas de eficiência – Editorial | Valor Econômico
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli, comemorou o desempenho do Judiciário em 2018, divulgado na semana passada no relatório "Justiça em Números". Toffoli festejou especialmente a redução do estoque de processos em tramitação em todas as instâncias, pela primeira vez em dez anos, desde que a série começou a ser calculada. Depois de ter beirado 80 milhões de processos em 2017, ou quase um processo por três habitantes, incluindo crianças, o estoque recuou ligeiramente para 78,7 milhões, em 2018. Mas há ainda um grande trabalho a fazer, reconheceu o ministro.
A Justiça, que adquiriu grande protagonismo nos últimos anos, a partir da Operação Lava-Jato e do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ainda tem muito a fazer para ser mais eficiente para o cidadão comum e também para as empresas que precisam recorrer aos tribunais. Afinal, o estoque de processos apresentou apenas uma pequena redução de 1,2% de um ano para outro. Ao longo dos últimos dez anos, acumula salto de 30%, saindo de 60,7 milhões em 2009, e é certamente uma das razões de custos e ineficiência da economia.
A taxa de congestionamento, que mede a efetividade dos tribunais levando em conta tanto os casos novos como os baixados e o estoque pendente, teve uma pequena diminuição, mas ainda está acima do patamar do início da década em várias instâncias. Nos julgamentos em primeiro grau, por exemplo, a taxa de congestionamento recuou em 2018 para 78,2% na comparação com os 78,5% de 2017, mas está acima dos 77,4% de 2014. Na segunda instância, o congestionamento foi de 52% em 2018, abaixo dos quase 54% de 2017 e acima dos 48,3% de 2013.
Além disso, a queda inédita do estoque de processos é atribuída principalmente à diminuição de casos novos ingressados nos tribunais ao longo do ano passado, especialmente na esfera trabalhista. Deram entrada na Justiça 28 milhões de processos em 2018, 1,9% a menos do que em 2017. A procura pelos tribunais voltou ao nível de 2013. A reforma trabalhista, que entrou em vigor no final de 2017, teve influência decisiva ao obrigar a parte derrotada a pagar os horários de sucumbência. Anteriormente, mesmo se vencido na Justiça, o trabalhador não precisava pagar o honorário devido ao advogado da parte vencedora. A Justiça do Trabalho recebeu 2,5 milhões de processos no ano passado, 949 mil a menos do que em 2017.
O segundo fator foi o aumento da produtividade dos juízes - que subiu a 4,2% - em todas as instâncias judiciais. Em 2018, foi julgado quase 1 milhão de ações a mais do que em 2017. Em termos absolutos, foram 32,3 milhões de sentenças. Outro fator que teve influência foi a expansão da informatização dos tribunais: só 16,2% das ações judiciais entraram no Judiciário ainda na forma de papel em 2018.
Em relação ao cumprimento das metas fixadas pelo CNJ com participação dos próprios tribunais e juízes, o desempenho é irregular. A primeira meta estabelece que os tribunais devem julgar mais processos do que foram distribuídos. Para a Justiça do Trabalho foi estabelecido o índice de 92%, cumprido com folga dada a queda das novas ações. Na verdade, a Justiça do Trabalho apresentou o índice de 119,9%. Os tribunais superiores se destacaram também, com 120% do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já a Justiça Estadual cumpriu 99,6% da meta; e a Justiça Eleitoral, 98,1%. Neste ano, o resultado global do primeiro semestre está aquém, com 9 milhões de processos julgados para 9,4 milhões distribuídos. Até o fim do ano devem ingressar 20 milhões de processos no sistema.
Um campo em que há muito espaço para a Justiça melhorar é o das despesas. Os gastos totais do setor somaram R$ 93,7 bilhões em 2018, com queda real de 0,4% em consequência da redução das despesas correntes. Os gastos com pessoal (450,1 mil pessoas) estão estabilizados e absorveram 90,8% do total, sendo 84,8% para pessoal da ativa, inativos e pensionistas, e o restante com terceirizados e estagiários. As despesas médias mensais com magistrados somaram nada menos do que R$ 46,8 mil, incluindo remunerações, indenizações, encargo sociais, previdenciários, e até Imposto de Renda e viagens a serviço. Com servidores, o gasto médio foi de R$ 15,4 mil. O relatório destaca que esses valores não correspondem ao salário dos funcionários, mas ao custo da Justiça; e a soma do IR (até 27,5%) com a previdência (11%), incidentes sobre a remuneração total, podem ter impactos de quase 40% na folha de pagamento.
É urgente a reconstrução política do Rio – Editorial | O Globo
Corrupção já levou à cadeia quatro ex-governadores que comandaram o estado nas últimas três décadas
Um ciclo político se fecha no Rio de Janeiro com as prisões dos ex-governadores Anthony Garotinho (1999 a 2002) e Rosinha Matheus (2003 a 2006). Eles foram detidos ontem durante operação do Ministério Público, sob acusação de superfaturar contratos da prefeitura de Campos coma Odebrechtp ara de 10 mil casas dos programas Morar Feliz 1 e 2, durante os dois mandatos de Rosinha como prefeita (2009 a 2016). As investigações têm como base delações premiadas de dois executivos da Odebrecht homologadas pelo STF. Segundo o MP, o superfaturamento foi da ordem de R$ 50 milhões.
As prisões de Garotinho e Rosinha acrescentam mais um capítulo à debacle da política fluminense nas últimas três décadas, desde a redemocratização. São quatro ex-governadores detidos sob acusação de corrupção —além do casal Garotinho, estão encarcerados Sérgio Cabral (2007 a 2014) e Luiz Fernando Pezão (2014 a 2018) — e um, Moreira Franco (1987 a 1991), sob investigação
da Lava-Jato, por suposta participação em fraudes na Caixa.
Sérgio Cabral, apontado pelo Ministério Público como chefe de uma quadrilha que saqueou o Estado do Rio, desviando recursos de contratos superfaturados de obras e serviços, foi condenado a mais de dois séculos de prisão.
Aparentemente, a roubalheira era generalizada e tinha como principal alvo as grandes obras públicas, como a bilionária reforma do Maracanã para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, e a construção do Arco Metropolitano.
Sucessor de Cabral, Pezão foi preso em 2018, em pleno exercício do mandato —caso raro na política. É acusado de receber propinas em troca de favorecimentos a empreiteiras e a grupos que compõem a Federação das Empresas de Transporte (Fetranspor). Os subornos seriam pagos mensalmente, e incluíam um 13º.
O tsunami de corrupção não ficou restrito ao Executivo. Os ex-presidentes da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) Jorge Picciani e Paulo Melo também foram apanhados pela Justiça. Picciani está hoje em prisão domiciliar. E Melo, em Bangu 8.
Até o ex-presidente do órgão que deveria fiscalizar as contas do estado, o TCE, foi condenado a sete anos de prisão por corrupção. Jonas Lopes fez acordo de delação premiada e hoje cumpre pena alternativa. Já o ex-procurador geral de Justiça do estado Cláudio Lopes foi preso e acusado de atender aos interesses da quadrilha liderada por Cabral.
Não há estado brasileiro em situação tão caótica, cujos efeitos corrosivos podem ser medidos nas fragilidades econômicas do estado. Nesse período, o Rio amargou um declínio por incompetência dos governantes. Assistiu à migração de empresas e, até hoje, tenta absorver o impacto da crise gerencial e de corrupção na Petrobras. A permissividade propiciou a expansão das milícias nas cidades, com alta nos índices de criminalidade.
É urgente a reconstrução política do Estado do Rio. As eleições municipais de 2020 podem ser um recomeço.
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