- Valor Econômico
Bolsonaro em campanha é ventríloquo de si
Muito Bolsonaro para pouco presidente. Enquanto a história a ser contada neste mandato for esta, o governo ficará sujeito a uma avaliação negativa crescente e consequente perda de adesão eleitoral. Está mostrado, nas pesquisas atuais em que se destaca a do Datafolha, a frustração dos brasileiros com a ininterrupta campanha eleitoral, agora para construir a reeleição. E em campanha eleitoral, Bolsonaro é seu ventríloquo.
Boa parte do eleitorado constata que escolheu, em 2018, um candidato, não um presidente. E outra parte, agora já menor do que esteve nas urnas, demonstra que Jair Bolsonaro continua sendo o seu líder, sem restrições, e que seu presidente é seu eterno candidato. É para eles, e por eles, que Bolsonaro trabalha. Aprovam o comportamento, a retórica, o linguajar, as ideias e atitudes. Acham uma graça enorme em Bolsonaro e não devem mudar de opinião, são os 30% de fanáticos pelo ídolo.
O problema é ainda maior para o conjunto da população porque não se está diante de um impasse decorrente de estilo. Um estilo pode ser alterado até por conselho, estratégia, autocrítica, medo das perdas ou toque de um amigo. Bolsonaro é natureza, não estilo, e natureza dificilmente se consegue mudar.
Portanto, Jair, quanto mais veste o Bolsonaro, mais refuga o presidente, e mais agrada ao núcleo homogêneo dos seguidores incondicionais de sua ideologia. Enquanto vai perdendo os outros que lhe foram necessários para dar a maioria de votos.
É o que as pesquisas mostram. Diariamente Jair Bolsonaro demonstra como há razões para os números serem os apontados.
Tomemos dois a três dias da semana, inclusive ontem. No Facebook, em entrevistas na porta do Alvorada, em respostas a jornalistas durante eventos, sempre agressivo, irônico, e jamais em tom normal para uma conversa sobre qualquer assunto de governo. Gosta de confrontar, sobretudo as pessoas, mas também as evidências. Atribui irregularidades sem se dar ao trabalho de apresentar provas. Tal qual um outro inimputável recente.
Na quinta-feira, disse que João Doria (PSDB), governador de São Paulo, mamou nas tetas do PT; fez chacota do apresentador Luciano Huck incluindo-o na caixa preta do BNDES por haver contraído empréstimo.. Antecipou o embate pois ambos podem disputar com ele a eleição de 2022. São ataques palanqueiros todos os que faz: "Eu vejo o Doria falando 'a minha bandeira jamais será vermelha'. É brincadeira né? Quando ele estava mamando a bandeira era vermelha com foice o martelo ali, sem problema nenhum né?" Um retrato do presidente-candidato sem photoshop.
Também na rede, prometeu dar indulto a policiais presos "injustamente", por "pressão da mídia". Os jornais são um dos seus recorrentes alvos, e a galera adora e vai reverberando, recontando a fantasia.
Na sexta-feira, bravateou uma conversa com Angela Merkel, a premiê alemã, a propósito das críticas à atuação do governo na amazônia. Se não gosta, o que lhe dizem são 'fake news', mas não são 'fake news' o que inventa para animar entrevistas. Ontem, de manhã, ao falar de carteirinhas estudantis, aproveitou para alfinetar o PCdoB. À tarde convocou a população a defender a soberania do Brasil no 7 de setembro.
Tudo é maravilha para seus 30%, que adoram uma jactância principalmente se o confronto é internacional; conversa mole de palanque para os que têm debandado do pelotão de apoio.
No momento em que seu filho fazia campanha (nos Estados Unidos) para ser aprovado embaixador aqui, no Brasil, pelo Senado brasileiro, Bolsonaro sacou outra de suas especialidades, criou o climão que rapidamente se desfaz na marola: "Talvez, Eduardo [e Ernesto] tenham algo a nos adiantar sobre a conversa com Trump".
A lógica de Bolsonaro desperta perplexidade mas parece plenamente entendida e aceita pelos seus. Dizer que só receberia ajuda financeira internacional se o presidente da França lhe pedisse desculpas é uma inversão contorcionista: foi Bolsonaro quem insultou o presidente e sua mulher e receber ajuda financeira não é um favor que ele faz aos presidentes de países europeus. Mas quem está aí para a lógica?
Bolsonaro, assim, vai amarrando cada vez mais seu eleitorado e afastando o resto do Brasil, para quem não governa.
Por sinal, nas raras vezes em que tratou de governo, no período sobre o qual temos o foco, as decisões foram tomadas para desagradar. A proposta de orçamento de 2020 que enviou ao Congresso apresenta cortes drásticos em educação, saúde, habitação, bolsas de estudo, infraestrutura, meio ambiente, uma peça de terra arrasada para todos. Também exercitando a face presidencial, deu sinal verde para o ministro da Economia recriar a CPMF, imposto de que a população se livrou com a ajuda do Congresso. Quando chegou o PIB, Bolsonaro tratou de trocar logo de figurino. Embora assunto de presidente, reagiu como candidato, recorrendo aos jornais, os culpados de sempre, que chamaram o crescimento de "lento". Para ele, é um crescimento "pequeno".
Nesses dois ou três dias que mostraram estarem as pesquisas cobertas de razão, Bolsonaro deu outra entrevista e reclamou de embaixadores que não colocam fotos suas nas embaixadas no exterior. "Será que tem embaixador pensando no Lula Livre? Pelo amor de Deus." Para fechar o período demonstração, Bolsonaro se meteu no Ministério da Economia onde colocou um superministro até agora impermeável: mandou demitir autoridades que entraram em conflito. A rigor, a ordem é demitir um, ou o outro, ou os dois. Ainda não foi demitido nenhum, mas será, como todos os demais demitidos de segundo escalão que começou a fritar com críticas públicas até caírem.
No meio de tudo isso surge uma amenidade: a promessa de saltar de paraquedas, desmentida logo depois de divulgada. E na mesma conversa o anúncio, para breve, dos vetos à lei de abuso de autoridade. Além da indicação do novo Procurador Geral, ora um interino, ora um definitivo. Para muitos, é mais que óbvio que as pesquisas mostrem redução do apoio a esse tipo de presidente. Para outros, o mais que óbvio é, exatamente pela mesma razão, que esteja mantido o seu eleitorado.
Um alquimista interpreta a mudança como uma reação química ao presidente-candidato. Os elementos se encontram, se atritam, mas não se misturam.
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