- O Globo
Há indícios de que atentados contra o Erário foram cometidos
Não se pode dizer que o presidente Jair Bolsonaro é corrupto. Mas é possível afirmar que ele é leniente com a corrupção.
Três casos confirmam esta doçura com o malfeito. O primeiro é o da Comunicação Social. Todos sabem que é o próprio Bolsonaro, com auxílio de seu filho Carlos, quem planeja a comunicação do presidente com a mídia. O GLOBO publicou na semana passada reportagem mostrando o ostracismo do porta-voz do Palácio do Planalto. O general Rêgo Barros não tem palavra a portar porque o seu dono fala todos os dias na porta do Alvorada e, sempre que vê um microfone, reduz o passo para dar uma bronca ou fazer uma declaração.
Assim como o porta-voz, o secretário de Comunicação tem função limitada no Palácio do Planalto. Estratégia de relação com a imprensa Fabio Wajngarten não faz. Um dia sugeriu que Bolsonaro suspendesse as entrevistas no Alvorada, alegando exposição desnecessária. Foi ignorado. Resta ao secretário cuidar da propaganda e da publicidade do governo. Nesse quesito ele se movimenta bem, já que é sócio de uma empresa que tem contratos com diversos veículos e agências que recebem recursos da sua Secretaria.
Esta mistura de público e privado atende pelo nome de conflito de interesses. Com um pouco de atenção de órgãos oficiais, como a Comissão de Ética da Presidência e agora a Polícia Federal, pode-se chegar a outra denominação. Mas no governo Bolsonaro, amigos não são alcançados por escândalos de corrupção. O presidente segura. No caso de Wajngarten, afirmou que “se houve crime a gente vê lá na frente”. Quer dizer, vamos convivendo com o crime e depois a gente cuida disso. Ontem, botou a mão no fogo: “(Ele) não é criminoso”.
Ocorre o mesmo com o ministro do Turismo. Envolvido numa floresta de laranjas em Minas Gerais, com denúncias escancaradas e formais, Marcelo Álvaro Antônio segue na pasta como se nada tivesse acontecido. Acusado de desviar dinheiro do Fundo Partidário, foi denunciado pelo MP e indiciado pela PF. Mesmo assim, em diversas entrevistas disse que não sairia do governo. Falava em nome de Bolsonaro, já que segue na função.
Outro assessor, o ex-secretário-executivo da Casa Civil José Vicente Santini, foi demitido por ter usado um avião da FAB para fazer uma viagem no exterior. O presidente, que fez discurso indignado depois que o auxiliar foi flagrado pela imprensa, tentou depois reaproveitá-lo, meio que às escondidas, mas a nova nomeação foi obviamente denunciada por repórteres diligentes e sua excelência teve que voltar atrás.
Os três casos mostram como o presidente lida com a corrupção. O de Santini foi o único que não envolveu crime contra o patrimônio público, já que uso de aeronaves da FAB por servidores é legal. Foi apenas usufruto de um vergonhoso privilégio. Nos outros dois há indícios de que atentados contra o Erário foram cometidos. Todos os episódios surgiram graças à apuração de jornalistas. Bolsonaro só demitiu Santini porque foi impossível negar o uso do avião. Pela ótica presidencial, enquanto der para ir empurrando, os amigos enrolados não são demitidos.
A ligação de Wajngarten com Flávio Bolsonaro chega ao ponto de o filho do presidente se hospedar em sua casa quando vai a São Paulo. É tanta intimidade que nem um selo na testa conseguiu afastá-lo. No episódio de Álvaro Antônio, tenta-se colocar a denúncia na conta política, uma vez que o crime foi cometido em ano eleitoral. Com Santini não deu para fazer nada, mas bem que o presidente tentou salvar o amigo do peito de Eduardo Bolsonaro.
O exemplo de Henrique Hargreaves, chefe da Casa Civil do governo Itamar Franco, deveria ser lembrado no Planalto de Jair Bolsonaro. Hargreaves foi denunciado por desvio de dinheiro público na então famosa CPI do Orçamento. Mesmo diante de uma acusação vaga, o ministro pediu exoneração do cargo enquanto a CPI procedia a apuração. Alguns meses depois, circunstanciada sua inocência, voltou ao posto. Se Wajngarten e Álvaro Antônio tivessem se exonerado, o presidente não poderia ser chamado de leniente com a corrupção.
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