- Valor Econômico
Governo acredita que medida contribuirá para melhoria alocativa na economia
Além de tornar a máquina estatal mais eficiente, para que preste melhores serviços aos cidadãos, a reforma administrativa a ser proposta pelo governo tem um outro objetivo que não é facilmente perceptível. Ela pretende corrigir os incentivos distorcidos dados aos trabalhadores na escolha de uma profissão, informa uma nota produzida pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, que será divulgada hoje.
O governo avalia que, atualmente, existe um prêmio salarial para o ingresso no setor público, que paga melhores salários do que o setor privado para ocupações semelhantes. Ao reduzir esse prêmio, o governo acredita que contribuirá para uma melhoria alocativa na economia.
O pressuposto é que a alocação dos talentos é direcionada de acordo com o retorno em cada ocupação. Uma economia com elevado nível de burocracia, observa a nota da SPE, tende a estimular ocupações orientadas por busca de renda (rent-seeking, no termo em inglês), em vez de busca pelo lucro (profit-seeking), que seria a recompensa do empreendedorismo e da produção.
“Ao invés de enviesar as escolhas de carreiras através do pagamento de um prêmio salarial artificial, a nova estrutura de salários e carreiras do setor público (que será proposta pela reforma administrativa) tornará os incentivos mais adequados à alocação dos talentos onde eles têm maior vocação e logo maior retorno”, diz a nota, intitulada “Redução do Misallocation para a Retomada da Produtividade Brasileira”.
A nota garante que “os impactos sobre o crescimento (com a redução do prêmio salarial do setor público) devem ser superlativos”. Ela cita um estudo feito pelos pesquisadores Tiago Cavalcanti, da Universidade de Cambridge, e Marcelo Santos, do Insper, o qual estima que a redução do prêmio salarial em seis pontos percentuais e o alinhamento das perspectivas de previdência entre o setor público e privado, conforme estabelecido pela reforma recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, produziriam um aumento de 17% no Produto Interno Bruto (PIB) per capita a longo prazo no Brasil.
A SPE, em sua nota, apresenta 11 diferentes medidas e propostas para aumentar a eficiência alocativa dos recursos na economia. Segundo a SPE, “a redução do ‘misallocation’ (alocação ineficiente) é a estratégia central de política pública do governo para o aumento da produtividade”.
Em entrevista a este colunista, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, garantiu que existe um problema sério de alocação de recursos na economia brasileira. Ele disse que o governo brasileiro gasta mal e direciona recursos para lugares menos eficientes, o que gera uma queda brutal na produtividade. E que é preciso corrigir isso com urgência. “A alocação ineficiente é pior do que queimar dinheiro”, afirmou.
Ele citou vários exemplos de alocação ineficiente, como as numerosas obras públicas inacabadas existentes no país, que, além de não poderem ser utilizadas, ainda custam recursos para serem conservadas, e alguns estádios que foram construídos para a Copa do Mundo de 2014 e continuam onerando os cofres públicos.
Em sua nota, a SPE formula uma definição que torna o conceito de “‘misallocation” mais fácil de ser entendido. “Se uma firma apresenta retorno menor que outras, e, ainda assim, recebe mais investimento, este está sendo alocado de forma ineficiente, configurando-se ‘misallocation’.”
A SPE observa que, entre os anos de 2010 e 2017, a produtividade da economia brasileira caiu, em média, 2,1% ao ano, acumulando uma queda de 13,9% no período. A produtividade pode ser resultado de inovações tecnológicas, de melhores condições de infraestrutura, e de capital humano. “Porém, nenhum desses aspectos mudou significativamente nos últimos dez anos. Assim, a explicação fundamental para esse movimento de queda da produtividade é a piora da ineficiência na alocação (misallocation) dos recursos da economia”, diz a nota.
A SPE cita a tese de doutorado do economista Rafael Vasconcelos, da Fundação Getulio Vargas (FGV), sobre essa questão. A tese indicou que a alocação ineficiente de recursos aumentou de forma dramática no Brasil desde 2006, o que, na avaliação da SPE, “fortalece o diagnóstico de que a perda de produtividade foi promovida por aumento da ‘misallocation’”.
Na mesma tese, o economista indica que há um espaço muito grande para o aumento da produtividade ao se eliminar falhas de mercado e/ou falhas de governo que promovam o “misallocation”. “Pode-se mais que dobrar a produtividade, e logo, o produto per capita, ao se eliminar tais ineficiências”, diz a nota da SPE.
Entre as 11 medidas e propostas para reduzir a “misallocation”, a nota cita a proposta de reforma tributária, que deve ser encaminhada ao Congresso pelo governo nas próximas semanas. A SPE explica que há uma variância substancial de alíquotas no sistema tributário brasileiro para firmas similares, ou entre setores, de forma a enviesar investimentos. Isto produz, segundo a nota, uma dispersão elevada e persistente da alocação dos recursos, o que configura um exemplo claro de perda de eficiência alocativa.
Há ainda no atual sistema tributário custos substanciais de conformidade e riscos judiciais intrínsecos ao sistema. “Tais características produzem perda de recursos em atividades não produtivas e estimulam comportamentos oportunistas para encontrar brechas no sistema tributário”, diz a nota. E acrescenta: “A reforma tributária buscará reduzir a variância de alíquotas, simplificar o sistema, reduzir riscos judiciais e eliminar parte dos custos de conformidade”.
A nota elenca ainda as medidas que já foram adotadas pelo governo na área do crédito (com a redução do crédito direcionado), a criação do “novo FGTS”, a proposta de extinção do seguro obrigatório DPVAT, a proposta de abertura comercial, entre outras. O objetivo da nota, segundo Sachsida, é estimular o debate sobre a atual alocação ineficiente de recursos na economia brasileira.
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