- Folha de S. Paulo
Aliança pela delegação de poderes às instituições de controle não será reconstruída, mas elas mostram resiliência
A agenda de contenção do Executivo volta à tona. E isso é em parte produto da alternância de poder. Ela tem longo pedigree e confunde-se com a história de setores liberais no país. Seu primeiro paladino foi José Bonifácio, que combateu o arbítrio dos governantes e atacava os “corcundas” (aqueles que se curvavam servilmente o ocupante do poder).
Essa agenda robusteceu-se nos debates sobre o “poder pessoal” do imperador, mas sua expressão mais acabada está na obra de Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Para Rui, o presidente era onipotente representando o “poder dos poderes, o grande eleitor, o grande nomeador, o grande contratador, o poder da bolsa, o poder dos negócios, e o poder da força”.
E mais: “O presidencialismo brasileiro não é senão a ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo”.
Foram seis as tentativas de aprovar a lei de responsabilidade presidencial, sob sua liderança, sem sucesso.
“Ainda não houve presidente nesta democracia republicana que respondesse por nenhum dos seus atos. Ainda nenhum foi achado a cometer um só desses delitos, que tão às escâncaras cometem. A jurisprudência do Congresso Nacional está, pois, mostrando que a lei de responsabilidade, nos crimes do chefe do Poder Executivo, não se adotou, senão para não se aplicar absolutamente nunca.”
A lei de crimes de responsabilidade pedida por Rui só foi aprovada em 1950, quando a agenda de controle do Executivo passa a ser protagonizada por Afonso Arinos. Recepcionado pela Constituição de 1988, o dispositivo tornou-se a base do impeachment. O trauma da ditadura do Estado Novo explica por que o Brasil é um dos raros países em que a matéria foi objeto de extensa e meticulosa regulamentação. Mas o controle do Executivo requer muito mais: uma robusta delegação de poder às instituições de controle latu senso.
Na Constituinte de 1988, forjou-se uma aliança entre setores liberais, preocupados com o abuso de poder pelo Executivo, e da oposição que haviam sido vítimas da violação de direitos fundamentais. Dela decorerram os vastos poderes delegados ao STF e ao MPF, além do garantismo da legislação penal.
Essa aliança colapsou durante os governos do PT, quando os efeitos das mudanças institucionais se manifestaram, mas a conjuntura atual cria, em tese, uma janela para sua retomada. Dois obstáculos não triviais assomam no caminho: o caso específico do ex-presidente Lula, ainda em curso; e um certo majoritarismo iliberal ainda vivo entre setores que apoiaram aqueles governos. As instituições de controle estão enraizadas e têm mostrado resiliência.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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