- Valor Econômico
Está nas mãos dos liberais a edição de um plano keynesiano
Das medidas anunciadas pelo governo federal para o combate ao coronavírus, as mais urgentes e ainda não operacionalizadas talvez sejam a do “voucher” destinado aos cerca de 38 milhões de trabalhadores informais, no valor mensal de R$ 600 por três meses; e a proposta de medida provisória que regulamentará a suspensão temporária do contrato de trabalho (“layoff”) e definirá quem vai pagar os milhões de trabalhadores de micro, pequenas e médias empresas que estarão nesse regime. Provavelmente um percentual do rendimento mensal desses empregados será financiado pelo seguro desemprego. Uma outra parcela deverá caber aos empregadores, na proporção do tamanho das empresas.
Passados oito dias do anúncio do voucher, a proposta ainda não foi aprovada pelo Congresso. Os deputados sugeriram aumentar dos R$ 200 iniciais oferecidos pelo governo para R$ 500. O presidente Jair Bolsonaro, porém, anunciou o valor de R$ 600 com autorização prévia, segundo ele, do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O governo estimou gastar R$ 22 bilhões com essa ajuda de R$ 200 que Guedes chamou de “cheque cidadão”. Para chegar aos R$ 600, a despesa sobe para algo próximo a R$ 45 bilhões.
Os informais são pessoas que, diante do isolamento social decretado pelos governos dos Estados no enfrentamento da pandemia, perderam as condições de trabalho e estão, desde então, sem renda sequer para comprar alimentos.
A medida, que estava sendo apreciada ontem pela Câmara, ainda terá que passar pelo crivo do Senado antes de o dinheiro chegar no bolso dos trabalhadores autônomos.
Paciência infinita
Será preciso uma paciência infinita para esperar por esses recursos, se é que eles ainda encontrarão os destinatários com vida.
A medida provisória do “layoff” que está “praticamente pronta”, segundo assessores, desde a semana passada, também ainda não foi encaminhada ao Congresso Nacional. Enquanto isso, um contingente imenso de pessoas está em confinamento e sem renda alguma.
Diariamente os técnicos são cobrados pelos jornalistas e respondem que “talvez amanhã” a MP esteja pronta. Faltam apenas uns “ajustes finos”, argumentam.
A demora em encaminhar uma MP com esse alcance decorre, também, do temor que técnicos, gestores e ordenadores de despesas têm porque responderão a eventuais problemas da medida com o seu CPF.
O Ministério da Economia calculou, ontem, em R$ 306,2 bilhões o total de ações já em curso para conter a pandemia do coronavírus que o governo divulgou até o dia 25. O primeiro lote de medidas somou R$ 147 bilhões. Foram R$ 23 bilhões de antecipação para abril do pagamento de metade do 13º de aposentados e pensionistas do INSS; R$ 12,8 bilhões para antecipação do abono salarial para junho; e aumento do orçamento do Bolsa Família em R$ 3,1 bilhões, que permitirá a inclusão de mais de 1 milhão de famílias que estão na fila de espera. Além dessas houve, também, o adiamento do pagamento do FGTS por três meses, com impacto de R$ 30 bilhões e igual adiamento para as empresas inscritas no Simples Nacional do pagamento de impostos federais, calculados em R$ 22,2 bilhões, dentre outras.
Em seguida governo e o BNDES anunciaram medidas que somaram R$ 55 bilhões. São elas: a transferência de R$ 20 bilhões do PIS/Pasep para o FGTS; R$ 19 bilhões e outros R$ 11 bilhões em suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamentos diretos e indiretos, respectivamente, para empresas; e R$ 5 bilhões para ampliação do crédito para micro, pequenas e médias empresas.
Esta semana também teve o pacote de socorro aos Estados e municípios, que representa um total de R$ 88,2 bilhões?
Depois de aprovada pela Câmara e pelo Senado, a medida do voucher irá para a sanção presidencial. Após a sanção o Executivo enviará ao Congresso uma proposta de abertura de crédito extraordinário para financiar a despesa.
Depois de cumprido todo esse ritual é que os técnicos do governo vão viabilizar a transferência de dinheiro para os trabalhadores informais. Eles devem usar o Cadastro Único, por meio do qual são destinados os benefícios sociais do governo federal, a exemplo do Bolsa Família e da tarifa social de energia.
O governo deverá usar as agências do Banco do Brasil e da Caixa, inclusive as casas lotéricas, para enviar o dinheiro a esse universo de pessoas.
Qualquer iniciativa de aumentar a despesa pública sem uma medida compensatória de redução de outro gasto precisará, porém, esperar a aprovação do projeto que altera o artigo 114 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que exige tal compensação.
O empresário Abílio Diniz informou, na noite de quarta-feira, que falou com o ministro Paulo Guedes e foi autorizado a divulgar que o ministério vai injetar R$ 600 bilhões para a retomada econômica do País. “Na retomada, é preciso dinheiro. Paulo Guedes vai colocar R$ 600 bilhões na economia. Falei com ele hoje e ele me autorizou a dizer”, afirmou o empresário.
O ministro sabe que para viabilizar o plano de recuperação da economia brasileira, ele terá que aumentar a dívida bruta interna e, muito provavelmente, terá que emitir moeda.
A condicionalidade que ele coloca, porém, é a de que a aprovação das reformas estruturantes pelo Congresso seja compatível com o tamanho do esforço para o combate à covid-19 e para a reconstrução social e econômica no pós coronavírus. Caberá ao governo ajudar as empresas para que se restabeleça a cadeia de produção. E, já que vai ter que gastar, que priorize também os investimentos públicos que neste ano estão em situação crítica. A conta de investimentos do governo federal este ano é de somente R$ 19 bilhões.
O destino está colocando no colo dos economistas liberais a necessidade de um verdadeiro programa keynesiano de socorro imediato e de posterior reconstrução do país.
Eis o desafio!
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