- O Globo
Paes de Barros explica que o governo terá que se aliar às entidades da sociedade civil para socorrer quem perdeu renda
O governo que prometia privatizar, diminuir o Estado e fazer o ajuste fiscal terá que ampliar e muito a presença do Estado. Mas saberá como fazer? O economista Ricardo Paes de Barros acha que o governo terá que acionar as ONGs, as associações comunitárias para achar os “novos pobres”. Ele diz que este é um caminho para enfrentar o dilema do país neste momento: achar rapidamente a diarista, o trabalhador autônomo, o vendedor ambulante, todos os que tinham renda do seu trabalho diário, mas não têm poupança e repentinamente ficaram sem capacidade de sustento. E é urgente.
Enquanto o Congresso votava a elevação da renda para os informais de R$ 200 para R$ 500, o presidente Bolsonaro anunciou pela rede social que serão R$ 600. O problema mais grave é como encontrar de forma rápida os trabalhadores informais. Como chegar a todos os que precisam agora do Estado? Esse é o maior desafio. O governo precisa ouvir quem sabe. O Ipea lançará hoje um estudo sobre como enfrentar os problemas sociais do novo coronavírus, feito por um grupo de cientistas sociais que sempre se dedicou à medição da desigualdade e ao combate à pobreza. Esse assunto, ampliar a rede de proteção social, nunca foi a agenda prioritária do grupo de economistas que desembarcou no governo Bolsonaro.
Felizmente o Brasil tem ótimos especialistas em formulação de políticas sociais ativas. Um deles é Paes de Barros.
– Havia uma série de pessoas que ganhavam a vida e se mantinham no dia a dia sem poupança e seu fluxo de renda foi descontinuado. Não aparecem nos cadastros e podem se tornar extremamente vulneráveis: o motorista de táxi, a diarista, o ambulante. Ou um carpinteiro bem-sucedido que fazia armário embutido e agora não terá demanda alguma. Se todos esses não tinham poupança e viviam do que ganhavam naquela semana ou no mês, eles estão em apuros. Esse grupo não era pobre, mas vai ficar pobre agora – diz Paes de Barros.
Ele acha que esses brasileiros estão principalmente nos grandes centros urbanos que serão os mais atingidos. O Bolsa Família cobre quem tem renda muito baixa e grande parte está no Nordeste rural. Mas a renda dos incluídos no cadastro único não pega esse grupo.
– Nenhum cadastro que o governo tenha vai ser capaz de identificar essas pessoas. Daí a importância das associações comunitárias. A região que não tiver uma instituição idônea vai sofrer mais. Precisa de alguém localmente para dizer quão vulnerável é a comunidade. O governo não vai, a esta altura, visitar famílias para fazer o cadastro. Depende das ONGs essa capilaridade – diz o economista.
O governo que hostilizou as ONGs e as entidades da sociedade civil terá que achá-las e transformá-las em parceiras, porque só elas sabem quem é quem nas comunidades. Elas saberão quem era a diarista que até dias atrás vivia bem com a renda que conseguia em várias faxinas, mas sem vínculo empregatício. Agora pode estar em casa sem renda, sem poupança e com despesas emergenciais.
Paes e Barros acha que a função do Estado agora é dar um seguro para as pessoas que estão impedidas de realizar suas atividades. E tem que evitar reabrir a política de cestas básicas, porque isso envolve uma logística complexa e compras centralizadas, quando é preciso que se movimente o mercado local.
– As entidades da sociedade civil darão a inteligência, o mercado fará circular bens e serviços, e o governo dará o dinheiro – recomenda.
O economista acha que será possível até pensar em contratar a nível municipal pessoas que ficaram repentinamente sem trabalho para serviços essenciais, como a higienização de espaços públicos.
Quanto vai custar isso?
– Se forem R$ 100 bilhões, para reforçar e ampliar toda a rede de proteção social, vale a pena.
Paes de Barros acha que o governo pode usar também os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), ligados ao Ministério da Cidadania, e os quase 200 mil agentes de saúde do Ministério da Saúde para encontrar quem está vulnerável neste momento.
O ministro que prometeu reduzir o Estado terá que ampliá-lo, o presidente que implicava com as ONGs precisará delas, as políticas implantadas pela social-democracia é que ajudarão a resgatar o país agora.
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