- Folha de S. Paulo
Enquanto Bolsonaro disparava desatinos, Macron informava os franceses
No último domingo, milhões de brasileiros estavam preocupados com as consequências do coronavírus para suas vidas: onde deixar os filhos pequenos e como alimentá-los, agora que as escolas começam a fechar; como proteger os idosos da família; como evitar o contágio no aperto do transporte coletivo; o que vai acontecer com o meu emprego, o meu bico, o meu pequeno negócio ou com a minha empresa quando a economia parar.
Todas essas inquietações passaram longe do Palácio do Planalto, de onde o presidente, desprezando todas as recomendações das autoridades sanitárias, saiu para confraternizar com a minoria fanática que, a seu chamado, bradava contra o Congresso e o Judiciário. Se dúvida ainda restava sobre a incurável incapacidade de Bolsonaro de exercer a função, foi enterrada com a sua aparição diante dos manifestantes e, mais tarde, na entrevista dada à CNN, que inaugurava a sua sucursal brasileira.
Em tempos normais, a democracia até que suporta governantes medíocres, pois, como ensinou o pensador italiano Norberto Bobbio (1909-2004), ela é a expressão consumada do governo das leis, e não do governo dos homens. Mas, quando os tempos são de crise, líderes democráticos são fundamentais para criar solidariedade entre as pessoas, mobilizar o país e decidir políticas.
Alguns, contra todas as previsões, se revelam sob a adversidade. Foi o que ocorreu na semana passada com o presidente da França, Emmanuel Macron. Enquanto Bolsonaro disparava desatinos a torto e a direito, começando por desdenhar do impacto da virose, seu homólogo gaulês dirigiu-se à nação.
Impecável, a sua fala trouxe informações objetivas sobre a gravidade do surto, reconhecimento e empatia com as angústias dos cidadãos comuns, além de detalhar um roteiro não só das medidas sanitárias já em curso como das iniciativas para sustentar a economia e atender às necessidades das pessoas. Apelou à solidariedade contra o individualismo e pelo apoio continuado ao projeto europeu contra o nacionalismo.
Mas, sobretudo, fez ardente defesa do Estado do Bem-Estar, que ali se chama Estado-Providência, lembrando que os serviços públicos de saúde não representam custos ou encargos, "mas trunfos indispensáveis quando o destino bate à porta". E ressaltou: "Essa pandemia revela que existem bens e serviços que não devem estar submetidos às leis de mercado."
O que vale para a França próspera deveria valer, com mais razão, para o Brasil pobre e desigual, pelo menos como horizonte de ação do chefe do governo. Mas o atual só tem a oferecer ódio, despreparo e ignorância.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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